A Advocacia Contributiva na Resolução de Disputas pela Mediação. A Desconstrução do Parâmetro funcional do Advogado para a (Re)invenção de um novo Paradigma

por Roger Sejas

Ainda causa um contido e constrangido sorriso, a história (para não dizer estória) de um idoso e doente advogado, padecendo em seu leito, que vê seu filho, de mesmo ofício, porém formado há pouco, tentando confortá-lo quanto à continuidade do escritório nesse período. E para ilustrar o dito, externava a sua satisfação por ter resolvido um caso específico da banca que há mais de 20 anos tramitava pelo fórum, momento em que foi repreendido severamente pelo pai, ao argumento de que com essa ação teria sustentado a família por todo esse tempo.

Embora retirada do amplo anedotário sobre o tema “advogado” e não retrate um fato efetivamente ocorrido, a referência acima tem motivação para desde já provocar uma reflexão sobre o dilema que permeia a classe estudada quanto aos caminhos para o exercício da profissão no cenário atual de crise do Judiciário, anseios sociais de justiça adequada e personalizada, tudo isso com vista ao futuro e adaptação a novas práticas para composição das divergências, dos problemas e controvérsias.

E não se pode atrelar essas novas práticas simplesmente ao jovem profissional, porquanto, a dinâmica realidade dos dias atuais acena para ágeis mudanças e adequações de todos (novo ou não) cada vez mais rotineiras, de forma tal que nunca fez tanto sentido a recorrente afirmativa de que o Direito tem o seu viés mutante de modo a acompanhar as mudanças vividas pela sociedade (PEREIRA, 2001, prefácio) e os advogados, agentes e partícipes da reafirmação dessa ciência é que devem readaptar os ensinamentos dos tempos idos, revisar os seus conceitos e posturas de modo a se moldar aos revigorados ares e anseios dos seus clientes, o que é, a bem da verdade, um exercício primoroso.

A partir dessa ponderação e olhando o movimento social e da comunidade jurídica para a busca de solução de conflitos através de um sistema multiportas, nele incluída a mediação, o artigo buscará compreender bem suscintamente o papel do advogado nesse contexto, avaliando, principalmente a construção de um novo paradigma profissional que se amolde ao procedimento, buscando ainda analisar os caminhos percorridos e a percorrer, para a sua adaptação a esta ruptura cultural, tentando entender os obstáculos que se opõem à adesão completa a esta onda integrativa de procedimentos adequados de desenlace das disputas.

O advogado e sua relação com a mediação

Para estabelecer, no entanto, o desenvolvimento da pesquisa sobre a conduta do advogado no procedimento da mediação, faz-se necessário tecer considerações iniciais sobre o seu papel, o desempenho da sua função, a moldura do sistema judicial em crise e a necessária recolocação para adequação ao processo de mediação.

O papel do advogado e sua função social

Importa destacar, para fins de inserção do advogado no mundo das soluções adequadas de disputa, em especial o da mediação, a sua relevante função social reconhecida ao longo da história e, no Brasil, constitucionalmente posta em relevo.

É o artigo 133 da Constituição Federal que prevê ser, o advogado, “indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” Nota-se que é alçado à condição de agente da administração da justiça, não do Judiciário, e, dessa forma, assume essa função social com o compromisso de pacificação e de prestar um serviço que garanta uma equânime composição de controvérsias.

O mesmo encargo é lembrado no Estatuto da Advocacia da OAB, lei 8.906/94 (04.07.1994) o qual em seu artigo 2º além de reforçar o mandamento constitucional (de exercício de uma função social), amplia a responsabilidade ao asseverar logo nos seus parágrafos a prestação de um serviço e múnus público.

Talvez voltado para essa diretriz, o juramento que o pretenso advogado faz, antes de assim ser reconhecido, enaltece uma promessa, um compromisso moral de “exercer a advocacia com dignidade e independência, observar … a justiça social e a rápida administração da Justiça…”.

E assim tem sido desde os primeirosregistros do advogado com a envergadura do representante do oprimido em seu direito, lá atrás na Antiga Grécia, consolidando a sua posição, como hoje entendemos, em Roma e evoluindo na sua performance ao longo do tempo.

Contudo, se procurar no rastro da história, fica fácil compreender que desde que o mundo civilizado e culturalmente se constituiu, certamente testemunhou divergências, controvérsias e conflitos que são da origem e da diversidade humana, circunstância essa que não se pode negar.

E no exato momento em que um se oprimiu em face do outro e um relance de desequilíbrio e desconforto foi gerado pela impotência desse fazer valer a sua fala, assumida por um terceiro que com habilidade fez prevalecer a justa composição de uma contenda, ali se viu o agir de um advogado.

Portanto, sem perder muito tempo para determinar quando surgiu a primeira centelha do brilho nos olhos de alguém que defende outrem de injustiça ou violação daquilo que se imagina ser o seu Direito, pode-se afirmar com certeza que é uma das profissões mais antigas no mundo!

Obviamente, que os desdobramentos históricos, temporais e culturais foram amalgamando o ofício até o presente momento, e é exatamente o que se espera a partir de então, posto que a figura do advogado guerreiro, laureado em armadura amoldada no conhecimento das leis, empunhado da lança fatídica de sua oratória e habilidade argumentativa que fere, desmantela o adversário e a impiedade característica de elevar a sua convicção, sua tese, não muito raro, para além dos interesses do cliente, há de ser revista, exige uma releitura a fim de se emparelhar à finalidade precípua constitucional e do estatuto que regulamenta sua profissão.

Sobre isso, toma-se a recente, emblemática e bizarra cena de tribunal do filme A história de um casamento (BAUMBACH, 2019), protagonizada por Laura Dern e Ray Liotta (mandatários do casal Scarlett Johansson e Adam Driver, em estágio de separação), na qual os ditos advogados chafurdam e escancaram as entranhas do ex-casal para justificar as suas posições (e vaidades, porque não dizer), sem atentar que os interessados abismados e impotentes diante do impasse criado por seus procuradores, não acreditam terem sido colocados em mesa argumentos e artifícios baixos que nenhum deles gostaria de ter vindo a lume!

A indagação que se faz: – esse é o papel atual que se espera do advogado? O cavaleiro guerreiro, o soldado da infantaria que vai a campo de batalha para hastear a bandeira do seu nome em terreno inimigo, prevalecendo a sua proposição, esmagando a opinião alheia, negligenciando os interesses em debate para se ver consagrado perante o Juiz, mal se importando com as circunstâncias intangíveis que orbitam a relação conflituosa(FERREIRA/MACABEU, 2017, pág. 3)? Claro que não!

O sucesso do advogado não pode mais ser medido em vitórias que, por vezes, não satisfaz os anseios de quem está em polos inversos de uma demanda, pouco importando com o dayaftera sua fria e escatológica campanha de guerra. Seu êxito deve ser mensurado com base no júbilo da justa composição das relações postas à espera da solução do problema.

E só exercitará bem o seu ofício se, sem perder o foco do papel de defensor de seu cliente, com criatividade, paciência e autocontrole, estiver inserido e fizer parte da solução do problema e não o gerador do problema em si mesmo, (BURBRIDGE, 2011, pág. 1).

Tanto é que um lugar comum na literatura especializada, é a consciência de que o advogado é o primeiro juiz da causa e, por isso, ao analisar o caso, identificar as circunstâncias do conflito e compreender as suas características, deve demonstrar sensibilidade suficiente para encaminhá-lo ao método cuja resposta será mais adequada.

Não se pode admitir uma visão distorcida do profissional que só enxerga a via judicial para travar o embate entre partes, porque se assim o fizer, sempre submetendo uma ação ao destino de uma sentença, não obstante, obtenha uma solução para o caso, distanciar-se-á da pacificação real entre os envolvidos (FERREIRA/MACABEU, 2017, pág. 4).

Citando o escritor britânico Samuel Johnson, John W. Cooley menciona em sua obra, Advocacia na mediação(2001): “O autor e o réu numa ação judicial são como dois homens enfiando suas cabeças num balde e desafiando-se um ao outro quanto a qual dos dois permanece mais tempo com a cabeça dentro d’água.” (COOLEY, 2001, pág. 23).

A afirmação ilustra bem o quão se mostra necessário um olhar mais abrangente e cauteloso sobre o conflito e suas questões intersubjetivas e extraprocessuais, não jurídicas, além da lide, sua inicial e defesa.

Logo, advogar não é sinônimo de litigar.” (PELLEGRINI, 2018, pág. 110, 114).

Até mesmo os clientes aspiram que os advogados os assessorem para a busca de mecanismos mais enxutos e eficientes que modificarão o estado das matérias-primas dos conflitos (problema e solução) em produtos adequados e personalizados sintetizados em acordos sensatos e relações interpessoais aprimoradas, com o menor grau de tensão e desgaste; enfim, espera-se que o advogado seja um arquiteto de projetos sólidos, mais humanos (COOLEY, 2001, pág. 16).

Agindo assim, o advogado cumpre a Constituição, faz respeitar as condições da sua atividade prescritas no seu estatuto, revela a sua função pública e social, exerce o seu múnus público da pacificação nas contendas, auxiliar da administração de justiça.

E por justiça deve-se apegar ao seu conceito mais amplo possível, relembrando uma citação de Rui Barbosa, ícone da advocacia, segundo o qual dentre muitos ensinamentos disse certa vez que “a justiça, cega para um dos dois lados, já não é justiça. Cumpre que enxergue por igual à direita e à esquerda”.

Dito isso, antes de adentrar na mensuração do advogado perante o instituto da mediação, mister se faz a contextualização do Judiciário e a crise pela qual passa para então arvorar nas soluções adequadas dos conflitos e o paraíso descortinado pelo sistema multiportas.

O Poder Judiciário e a crise sistêmica

É inegável que o Poder Judiciário, constituído para solucionar os problemas jurídicos sob o prisma da opinião Estado-Juiz revela uma melindrada crise.

Também soa incontestável a expectativa criada sobre a atribuição do Estado, através de um órgão absoluto (Poder Judiciário) compor litígios que as próprias partes não conseguiram solucionar sozinhas; criou-se uma dependência viciosa, na qual se põe órfã a sociedade inábil de, amigavelmente, construir uma resolução mais adequada à sua demanda (SANTOS NETO, 2017, pág. 2).

Contudo, o Estado-Juiz constituído para atuar frente o litígio, se prende a normas inflexíveis (códigos), a uma ritualística incondizente com o estágio de evolução social, ocasionando, invariavelmente um distanciamento entre o senso comum do justo e do Direito (outro tema que merece extenso debate, as dicotomias da Justiça x Direito Ciência, o Direito Ciência x Moral) e um descompasso até mesmo da linguagem que acaba por não conseguir costurar uma comunicação, um envolvimento com as partes interessadas que, via de regra, saem de audiências e julgamentos sem uma devida compreensão do ocorrido, portanto, frustradas (PELLEGRINI, 2018, pág. 22).

Essas limitações e deficiências do sistema, sob o espectro do Poder Judiciário provocam “ondas renovatórias” em relação ao movimento de acesso à justiça, descortinando a necessidade de instaurar uma política pública de solução multifacetada das disputas, não se balizando única e exclusivamente na ótica da heterocomposição de um litígio (decisão de terceiro sobre o certo e errado, quem ganha e quem perde, uma visão binária própria de um dilema, não vislumbrado o problema), o que evidencia a mudança de cultura e traz para um primeiro plano uma crise do Judiciário, o qual não atende as expectativas dos seus usuários (ZAMBONI, 2016, pág. 53).

E a crise do Direito e do Poder Judiciário se revela em matizes distintas, ora sob o enfoque da estrutura, da eficiência e de identidade, na qual a sociedade desamparada e desassistida titubeia e não se vê ali incluída; é uma sensação de não pertencimento que põe em xeque a eficácia e adequação (PELLEGRINI, 2018, pág. 23/24).

Para materializar o que está sendo retratado, toma-se o Sumário Executivo– Justiça em Números do CNJ 2019, ano base 2018 (último disponível) e os seus levantamentos. Segundo os dados apurados, havia ao final daquele ano 78.691.031 ações em trâmite, com tempo de duração média, contado a partir da distribuição até a sentença, de 2 anos e 2 meses, e mais 5 anos e 11 meses até a baixa efetiva do processo com a execução do julgado, totalizando 8 anos e 1 mês de trâmite médio regular.

E a estatística não é muito favorável para os usuários e operadores do Direito, porque no início do ano corrente (2020), no 8º Encontro Nacional do Poder Judiciário realizado em Florianópolis/SC, estimava-se alcançar ainda este ano, a incrível marca de 114,5 milhões de processos distribuídos, considerando a curva de crescimento nos últimos anos. Isso antes do corona vírus e todo o impacto jurídico que dele decorrer, quando certamente o volume de ações calçadas na teoria da imprevisão, da onerosidade excessiva, caso fortuito e força maior devem elevar consideravelmente esses números.

Frente a essa mórbida constatação, presente sempre o ensinamento de Kazuo Watanabe, para o qual a implantação de uma nova política pública de lidar com a litigiosidade pelo CNJ, favorecerá a quebra da cultura da sentença, conduzindo os estudiosos e profissionais do Direito, dentre eles o advogado, desde a origem, já a partir dos bancos das faculdades e seus currículos renovados, para os trilhos que levam a uma solução transacional e integrativa, contributiva, permitindo a eles a consolidação de uma visão mais ampla e social (ZAMBONI, 2016, pág. 68).

E nesse horizonte, o sistema multiportas dá alento a todos os interessados em buscar opções que sejam mais adequadas; até mesmo o próprio Poder Judiciário, posto que não está abominando, de maneira alguma a via judicial como alternativa válida (FERREIRA/MACABEU, 2017, pág. 18). Porém, outorgando-lhe um espaço residual quando exauridas as soluções autoconstrutivas do conflito, ou na medida em que essas não sejam recomendadas e aplicáveis à espécie. Como consequência, impactará nos índices de eficiência e satisfação de todos os meios hetero e autocompositivos, incluindo aí o Judiciário, resgatando a sua relevância para situações específicas e pontuais, desafogado da avolumada enxurrada de ações por qualquer controvérsia.

A mediação como resultado do choque de cultura

Nunca é exagero revisitar o conceito da mediação, para fins de consolidar e propagar a finalidade para o qual foi criado o instituto e sua relevância.

Por mediação, compreende-se o procedimento, via do qual, um terceiro, parte neutra, facilita, auxilia e conduz os interessados (contendores), através de técnicas variadas, à descoberta e construção de uma solução dos seus conflitos, permitindo buscarem um acerto em relação às suas diferenças, pautado no comportamento futuro (COOLEY, 2001, pág. 24). Um processo assentado sobre os pilares da ética, diálogos como meio e instrumento em si mesmo, pensamento sistêmico e processos reflexivos.

Avaliando a mediação no Brasil, tem-se notícia que surgiu através das Ordenações Filipinas, e de certa forma recepcionada na Constituição Imperial de 1.824 ao reconhecer o Juiz de Paz com função conciliatória nos processos (SANTOS NETO, 2017, pág. 3).

Ao longo do tempo pode-se dizer que sofreu os revezes dos regimes políticos vigentes na promulgação das constituições e leis ordinárias. Com efeito, na esteira da redemocratização do país, pode-se dizer que a Carta Magna de 1.988 deu um sopro institucional para a mudança da cultura do litígio ao constar em seu preâmbulo que o Estado Democrático de Direito visa garantir “soluções pacíficas de controvérsias”.

No entanto, é a Emenda Constitucional nº 45 (30.12.2004) responsável por lançar mais luz no universo frondoso das soluções adequadas de disputas ao criar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pois 6 (seis) anos após, esse mesmo CNJ baixa a resolução 125/2010 (29.11.2010) instituindo uma Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos através do sistema multiportas. Pronto! Era o necessário para simbolizar o essencial choque cultural, uma vez que os métodos opcionais, como a mediação passaram a ser fruto de políticas públicas, o que é, efetivamente, bastante

relevante e, por isso, constitui o marco legal da mediação no país.

Entretanto, o que se pode perceber, analisando o tema sobre a ótica da linha do tempo, é que tudo que promove uma revisão cultural consolidada, não se consubstancia da noite para o dia, obviamente; e só depois de passados 5 (cinco) anos é que no Brasil se performou o que se pode dizer de um “ano dourado” para a mediação.

Pois foi em 2015 que, em sequência, publicaram legislações que deram uma nova dimensão ao procedimento da mediação, acolhendo-a, inclusive na codificação processual renovada (Novo CPC/2015 – 16.03.2015); regulamentando-a formalmente (lei 13.140/2015 – 26.06.2014 – Lei da Mediação); e, por fim, incluindo-a no novo código de ética da advocacia aprovado pelo Conselho Federal da OAB (res. 02/2015 – 04.11.2015).

O novo Código Processual Civil (2015) estabelece como premissa a investida nas formas não adjudicatórias para tratamento do conflito (CABRAL, 2017, pág. 2) e reserva vários artigos a elas, destacando a diretriz da necessária presença do advogado em todas as audiências de mediação e conciliação nos processos judiciais.

Ora se o paquidérmico Estado promoveria a solução das controvérsias pelo procedimento consensual, porque o advogado, também instrumento da administração da Justiça (vide art. 133 da CF/88 e art. 2º do Estatuto da Advocacia), não deveria, da mesma maneira, alterar o seu agir, o seu modo de pensar e refletir o conflito? E se dispondo a fazê-lo, porque não praticar essa aderência à cultura do consenso agilmente?

As respostas para as indagações feitas, de alta relevância, indicam a inevitável quebra do paradigma do advogado não cooperativo, porque as desavenças, as diferenças entre as pessoas sempre foram inerentes ao convívio em sociedade e, jamais, deixarão de existir, repita-se, faz parte da diversidade da natureza humana. Portanto, a evolução está na energia que se empregará para resolver e aproximar as pessoas através do empoderamento da fala, do abdicar das posições individuais para mirar os interesses mútuos. E isso exige uma preparação que os advogados precisam assumir, com o fim de emparelhar-se às intenções dos seus clientes.

Adaptações da advocacia ao universo da mediação

É preciso a compreensão reflexiva que a mediação não vem para minimizar o papel do advogado, muito antes pelo contrário – e o CPC não deixa que todos se esqueçam disso. A bem da verdade, deve ser encarada como uma nova oportunidade, um novo caminho, um novo mercado!

Para se ter uma ideia, partiu da então (2019) Secretária Nacional de Justiça, Sra. Maria Hilda Marsiaj, da Escola Nacional de Mediação e Conciliação (ENAM), órgão do Ministério da Justiça a afirmação de que os operadores do Direito deveriam aceder à tendência mundial de um novo cenário do sistema de justiça.

E qual a demanda dessa nova porta do sistema de justiça denominada mediação? Um comportamento cooperativo, construtivo – lembrando da definição do advogado-arquiteto. Um perfilamento à postura integrativa, num ambiente contínuo de troca, onde a comunicação deve ser transparente e informações compartilhadas para a produção de resolução conjunta, o que não se moldura no velho esquema competitivo do advogado que só quer influenciar o outro a ceder a sua posição.

Aliás, o novo paradigma da advocacia na mediação abstrai da posição individual, pessoal; nem pessoalidade há, pois, uma das técnicas da negociação aplicáveis ao procedimento consensual da mediação é distanciar a pessoa do problema/conflito a ser solucionado. No momento em que isso acontece, automaticamente os envolvidos desmascaram suas posições e focam nos interesses e no problema, o enxergando como tal e não como um dilema, sobre o qual há que se decidir um ou outro. A escolha, na mediação, não é obrigatória; aponta- se para o que é bom para ambos e não para um dos interessados, pois só assim a preservação do relacionamento é pautada como finalidade e objetivo.

Lembrando que a sessão da mediação é a materialização de uma jornada que se inicia desde o encaminhamento da disputa ao procedimento (orientado pelo advogado), com a preparação também do mediando anteriormente a sua realização, advertindo-o sobre o ambiente não adversarial, informal, com segurança jurídica, contudo, sem a contraposição e argumentação técnica-jurídica que sucumbe à validação dos sentimentos e interesses voltados para uma transação sensata, eficiente e satisfatória à relação posta em mesa (FERREIRA/MACABEU, 2017, pág. 11).

Observando isso, só mesmo um profissional lapidado, capacitado pode se sentir habilmente coparticipe do processo de mediação visando multiplicar as opções de solução que possam ser úteis aos interessados e agir também como protagonista facilitador da tomada de decisão, bem como nos testes de realidade que servem à ratificação da eficácia do procedimento, voltado para a pacificação definitiva do conflito e não momentânea (DUTRA, 2019, pág. 3).

O curioso é que o preparo do operador do Direito, o despertar para a mudança de cultura da litigiosidade, deve se iniciar já nos bancos das faculdades, na formação dos futuros agentes, os quais, até pouco tempo atrás (2018), eram transformados em gladiadores forenses, ases na arte de litigar, como ressalta o Manual de Mediação de Conflitos para Advogados, desenvolvido por advogados, abraçando iniciativa do Conselho Federal da OAB juntamente com a Escolha Nacional de Mediação do Ministério da Justiça.

Quando a conversa acadêmica lapidar a beligerância dos pretensos advogados, fazendo-os acostumar com a abordagem de temas como mediação, arbitragem, conciliação, negociação, ADR (adequate dispute resolution), aí sim há o arrefecimento da cultura da sentença, do estado único titular do poder de decisão sobre uma divergência terá mais efetividade e sentido.

No entanto, apesar do marco da mediação datar de uma década atrás e de que desde 2013 iniciou-se o movimento para incluir no exame da OAB questões relativas à mediação e arbitragem, essas matérias tornaram-se obrigatórias na grade curricular das faculdades somente no ano de 2019, graças à resolução 05/2018 CNE/CES (17.12.2018) que alterou e adaptou a norma originária e reguladora dos cursos de Direito, resolução 09/2004 CNE/CES – apesar de já integrar o currículo de algumas outras como matéria facultativa.

Há um atraso é verdade, contudo, nunca é tarde! O desafio é saber como incutir a filosofia da metodologia alternativa de resolução de disputas no profissional formado, com atividade beligerante, posicional, combativa arraigada e enraizada de maneira tal que é o seu modo de viver – assim é conhecido o típico advogado.

A ponderação que se deve fazer é se o operador do Direito, mal tratado pelo combalido sistema, frustrado e desgastado pela obsolescência do processo judicializado, ainda vê com simpatia um único modelo de solução de controvérsias? Esse não é o caso desse articulista.

Óbices para a adaptação do advogado rumo ao ideal colaborativo da mediação

Por mais belo e prodigioso que se mostra o mundo da mediação e outros métodos opcionais para composição de disputas, por mais reconhecidas as vantagens propagadas por quem defende essa nova prática da advocacia e da aplicação do Direito, porque não dizer da administração e gestão da justiça, há ainda uma enorme desconfiança do meio jurídico, especialmente por parte dos advogados, como dito o primeiro juiz do caso; aquele que definirá a forma e o procedimento que será regido o conflito.

E são várias as nuances e razões para o descrédito e falta de aderência absoluta e incondicional; desde a percepção equivocada de que a mediação poderá vir a tirar o advogado do mercado de trabalho, quando pelo contrário, a participação dele é muito bem-vinda e estimulada para auxiliar o mediador na construção de uma transação eficiente e legítima.

Além disso, as pessoas que possuem suas divergências e habituadas ao conceito do mecanismo adversarial, em regra procurarão inicialmente os advogados para consulta e assessoria. E no procedimento de mediação, apesar de empoderadas e com iniciativa estimulada de construção das pontes na relação, sentirão mais seguras se estiverem ao lado dos seus procuradores e representantes, zelosos em obter um melhor tratamento, de forma a auxiliá-las e as aconselhar a tomar a melhor decisão sobre as opções postas em debate, customizada a sua efetiva realidade (ZAMBONI, 2016, pág. 86)

Por outro lado, políticas internas de empresas e grandes corporações que visam otimizar custos acima de qualquer ideia de humanização das relações, que dirá de pacificação social, podem ainda optar e subordinar os seus mandatário a negar as proposições consensuais de resolução de conflitos, afinal contam com a eternização do processo adversarial para adequação de seus orçamentos reduzidos, essa uma desoladora constatação.

Fato é que em pesquisa de campo realizada nos CEJUSC/RS (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania), Carolina Portella Pellegrini em obra Mediação: usos e práticas dos advogados em conflitos familiares judicializados (2018) destaca como pontos negativos para o engajamento à cultura da mediação: a) a falta de confiabilidade no método; b) apego ao processo judicial; c) sentimento de ataque na concorrência profissional; d) desconhecimento do mecanismo da mediação; e) confusão conceitual acerca dos métodos opcionais. Em razão disso, emerge um grande impasse entre o novo jeito de proceder e o paradigma até então sedimentado na cultura local (PELLEGRINI, 2018, pág. 109).

cresça-se a isso que a alteração do modo cristalizado do exercício da advocacia combativa, não colaborativa, mas, desafiadora, é impedimento para gerar um efeito manada da classe para se voltar aos métodos opcionais de disputa. Isso porque o desconhecimento e despreparo para a mediação gera insegurança ao profissional que se sentirá acuado diante do cliente que postular suas dúvidas, as quais não poderão ser elucidadas por aquele que não tem domínio sobre o procedimento, ou não se aperfeiçoou adequadamente, contribuindo, inclusive, para a perda de oportunidade (COOLEY, 2001, pág. 37), reforçando a ideia da quebra do paradigma da advocacia convencional.

Conclusão

Em suma, frente a realidade inexorável de que o convívio social remete a divergências entre as pessoas, diferentes percepções sobre variadas questões e que não há indícios da humanidade viver em utópica comunidade totalmente pacificada, um Shangri-la próprio da ficção literária, não cabe aos agentes do Direito inibir os conflitos.

Podem, no entanto, com criatividade, sensibilidade e inteligência minimizar os efeitos dos mesmos, seguindo uma tendência mundial de ver as disputas sob o aspecto mais humano, de construção de pontes das relações interpessoais, nas quais os interessados possam perceber as diferenças não como empecilhos para um ajuste, porém como molde para se criar opções variadas para o desenlace das controvérsias.

Para tanto, o advogado haverá de fazer uma releitura da sua atividade e exercício profissional com a finalidade de se adequar aos anseios das pessoas que clamam por uma metodologia mais aproximada da sua realidade na composição dos litígios; para promover a participação mais efetiva dos seus clientes no entabulamento das opções de resolução.

Não será, através da indicação cega e incondicional ao antigo modelo heterocompositivo de disputas que o advogado conseguirá contribuir para administração da justiça como lhe é determinado pela Constituição Federal de 1.988 e seu estatuto de classe. Pelo contrário, estará cooperando para que o Judiciário se afunde ainda mais na crise estrutural e, paradoxalmente, concorrerá para o descrédito do próprio Poder do Estado-Juiz, relevante, diga-se de passagem, para determinadas circunstâncias.

Note que para se efetivar a mudança cultural da sentença, do modelo adversarial de composição de litígios (processo judicializado), transformando-a na cultura do consenso é imprescindível a conversão cultural da base, dos graduandos nas universidades, os quais estarão habituados ao glossário próprio das ADR’s. Mas, esse é um processo de efeito prático não imediato. Portanto, não se perca de vista que a realidade cobra dos atuais advogados, já formados, consagrados, afamados ou não, promoverem uma reviravolta em suas perspectivas sobre a própria profissão de forma a adaptarem a tais “ondas renovatórias” de acesso ao sistema multiportas de justiça.

Há que se perceber o conflito sob a forma distinta do modo belicoso e adversarial para o qual, até então, o advogado foi treinado a fazer; não por culpa sua, deve-se atenuar também o seu modo de agir e proceder, porém, porque a cultura assim preceituava.

E tem-se visto uma difusão no debate acadêmico junto aos institutos jurídicos e nos órgãos de classe, notadamente a OAB e suas seções, os quais vêm estimulando, de forma mais contundente a disseminação ideológica das ADR’s, especialmente a mediação e conciliação, vide os seminários, as diversas cartilhas voltadas para a capacitação dos advogados, a fim de se inteirarem e despertarem para uma nova concepção da busca da justiça consensual, o que é louvável. Trabalho árduo, entretanto, que haverá de tornar-se efetivo em dado momento, ainda que em longo prazo.

E uma vez consolidadas as metodologias opcionais de resolução de controvérsias, difundida a filosofia do empoderamento das pessoas – as quais não necessitam de ninguém para estabelecer adequadas solução para os seus problemas, senão delas próprias, em conjunto personalizando o caminho pacificador, gerador de futuras relações – caberá ao advogado compreender que também faz parte dessa ferramenta moderna chamada mediação, indicando-a para os seus clientes e atuando colaborativamente para o seu desfecho.

É preciso acreditar para recomendar. E o advogado só acreditará na mediação, assim como nos demais métodos opcionais do múltiplo sistema de acesso à justiça, se informando, se preparando e acessando as técnicas ali empreendidas, conhecendo o processo, suas etapas, validando o procedimento e contribuindo para que seja exitoso.

Mas, para isso, há que se desprender da vaidade e compreender que ali, na mediação, ele não é o principal protagonista (papel único outorgado aos envolvidos), contudo, um coadjuvante necessário. O que corrobora a ação da OAB distribuída no Supremo Tribunal Federal, com pedido liminar para questionar a presença facultativa de advogados nas sessões dos CEJUSCS (resolução 125/2010 do CNJ) e também o projeto de lei da Câmara dos Deputados (PL 80/2018), ainda em trâmite no Senado Federal, o qual alterará o Estatuto da Advocacia (lei 8.906/1994 – EAOAB), para estabelecer a obrigatoriedade da participação do advogado na solução consensual de conflitos.

Portanto, cabe agora ao advogado colocar em prática a iniciativa colaborativa própria do procedimento da mediação, viabilizando o alinhamento das divergências submetidas a exame, valorizando a função do mediador e aportando o conhecimento técnico para garantir segurança jurídica que seu cliente necessita, o que por si só justifica o seu desempenho integrativo e reforça o seu múnus público.


fonte: Livro Mediação, a Travessia Através da Palavra