A mediação empresarial como aliada na governança corporativa

por Roger Sejas Guzman Junior*

Para o desenvolvimento de uma política positiva de Governança Corporativa, aplicada efetivamente no âmbito de uma empresa, seja ela familiar ou não, o ideal é exigir que seus gestores, diretores e que o Conselho de Administração ou Familiar cumpram exatamente as funções que se esperam dos mesmos, formando crescimento independentemente de gerar ou não controvérsias, a despeito de suscitar conflitos. O que de certa forma é esperado na medida em que exercem intensa interação entre os diversos setores da sociedade empresária.

Na relação cotidiana entre sócios/acionistas minoritários e diretores executivos, por vezes, o ambiente nem sempre é de plena calmaria, afinal se contrapõe à propriedade, a execução dos propósitos de gestão cuja eficiência deve ser a mais alta possível, sem perder de vista a preservação do negócio e continuidade da atividade empresarial. Por isso mesmo, divergências e controvérsias são comuns, mas, não podem ser nefastas ao ponto de se apresentar como uma encruzilhada para a sociedade, no qual a escolha de um caminho levará ao sucesso empresarial ou falência inexorável.

Partindo-se da conclusão que o conflito é inevitável no seio da convivência entre seres humanos, e que são pessoas que compõem, via de regra, conselhos familiares, de administração e direção das empresas, seres humanos com todas as vicissitudes a eles inerentes, como vaidades, aspirações, rancores, inveja e mais tantos outros sentimentos diversos, o mais certo não é evitar ou ocultar os debates ou discordâncias as quais certamente acontecerão. Provavelmente, melhor que se aprenda com todas divergências e deixar que esses momentos gerem oportunidades de crescimento e amadurecimento das instituições empresariais.

Nesse particular é relevante, como ferramenta de Governança Corporativa, ou ainda para se alcançar os objetivos traçados como norteadores da política de governança, que se estabeleça critérios claros de tratamento dos conflitos intraorganizacionais, de forma tal que não se abale os resultados da empresa, ou ainda comprometa o desenvolvimento da sua atividade.

E o que se põe a sugerir é que os conflitos sejam avaliados e ponderados sob a ótica da Mediação, instrumento de resolução de disputas que se denomina como adequado, não só pelas técnicas e ferramentas a ele inerentes, como também porque contribui para uma rápida resposta a um problema que não pode ser solucionado no âmbito empresarial pelo desvio de foco que envolve, via de regra, as partes divergentes.

A mediação empresarial surge, então, como ferramenta útil e alternativa para solução de conflitos, em especial os conflitos societários, disputas intraorganizacionais e internas de um ente corporativo, e técnica necessária ao compromisso da Governança Corporativa e como se amolda aos seus objetivos.

A provocação é para fazer emergir a reflexão sobre o comportamento dos agentes empresariais, de sociedade familiar ou não. E assim, fazê-los entender que a condução do processo de resolução de conflitos internos da sociedade empresarial possui caminhos outros que podem ser mais ajustados às necessidades de preservação das relações de todos aqueles que estão açambarcados pelo guarda-chuva da entidade incorpórea empresarial, sendo que o método de solução heterocompositivo judicial não mais reflete os seus anseios.

Não se trata de um negativismo à relevante função do Poder Judiciário, contudo, passados mais de dez anos desde a Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e cinco anos da edição da lei 13.140, o amadurecimento da mediação convoca uma melhor depreensão e aplicabilidade prática, notadamente para os casos de conflitos empresariais.

E isso se justifica, para que a reputação da empresa não seja manchada ou danificada por um conflito pontual assentado em meras posições pessoais dissociadas do coletivo. É dever da sociedade, por força da sua política de Governança Corporativa, estabelecer códigos internos com previsão para o tratamento dos conflitos de forma clara pautada inicialmente pela mediação, método autocompositivo no qual o terceiro independente e neutro provocará que os próprios agentes em disputa exercitem, a partir de técnicas específicas, práticas que favoreçam a busca da preservação da atividade empresarial.

Melhor ainda, que os agentes responsáveis pelo desenvolvimento da estratégia de uma determinada empresa, sejam criados e educados sob o regime da mediação e coloquem em prática, diariamente, todas essas técnicas para não deixar que o conflito permeie o desenvolvimento da própria empresa. No entanto, se não houver como reprimir a explosão do conflito, para uma resposta ágil que contribua para os negócios, é importante descrever todo um sistema de resolução pautado na metodologia autocompositiva, e porque não dizer da mediação.

É uma pena que ainda se experimente muito dos litígios judicializados, seja pela opção dos próprios atores e protagonistas, ou ainda pelo não reconhecimento do instituto da mediação como válido para a solução efetiva dos problemas – insegurança do ambiente não estatal, voluntarismo e até mesmo opção consciente pelo arrastado trâmite de processos judiciais.

Contudo, como se percebe, beirando aproximadamente 100 milhões de processos cujo desdobramento frio, distante do litígio e das necessidades dos interessados, que se arrasta por mais de oito anos – vide Sumário Executivo do CNJ 2020 – percebe-se que a ação, a demanda judicializada não se afigura, definitivamente, como o melhor caminho para contemplar os interesses de todos que se postam sob a proteção do ente empresarial.

A história e os exemplos das disputas judicializadas entre sócios, conselhos e diretores mostra quão danoso pode ser um litígio não resolvido em tempo hábil (Companhia Müller de Bebidas, Grupo Pão de Açúcar, Hewllet Packard, dentre outros tantos); também evidencia que não se emendam como resultado de uma política de boa governança corporativa.

Muito antes pelo contrário, expõem uma faceta do ente incorpóreo da empresa fragilizado pelo comportamento pessoal e adversarial das pessoas que compõem os seus conselhos ou cargos de gestão, o que é contra todos os princípios de governança corporativa, em especial o que dispõe sobre a distinção da propriedade do negócio e seus pressupostos administrativos.

Está mais do que na hora de aprender com erros cometidos, que os conflitos devem sim ser estimulados até onde gerarem crescimento e amadurecimento do sistema de gestão empresarial. Ultrapassado esse limite, é oportuno que se atribua ao mesmo (conflito) uma iniciativa de resolução menos gravosa à empresa e a mediação pode ser uma resposta que o mercado pode reclamar para transparecer segurança aos investidores, aos sócios não partícipes de conselhos ou da gestão, dos colaboradores, enfim do ente econômico cuja preservação deve ser o fio condutor de toda e qualquer política de Governança Corporativa.

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Roger Sejas Guzman Junior* é sócio fundador da Câmara de Mediação do IMA (Instituto e Câmara de Mediação Aplicada). Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa (UAL), pós-graduado em Mediação, Conciliação e Arbitragem pelo Instituto para o Desenvolvimento Democrático (IDDE), pós-graduado em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), MBA Empresarial na Fundação Getúlio Vargas (FGV) através do convênio Business Institute e graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de MG (PUC-MG). É professor de Direito Civil da FGV, através do convênio Business Institute, membro da Comissão de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais, além de fundador e conciliador do Juizado de Conciliação do município de Jeceaba/MG.