Aplicação da Mediação nos Processos de Inventário e Partilha

por Luana Otoni de Paula e Maria Eduarda Carvalho Pereira Vorcaro

O presente Artigo tem como objetivo a aplicação da mediação nos processos/procedimentos de Inventário e Partilha.

Demostraremos a eficácia da mediação nesses processos/procedimentos, seja: (i) como forma de conferir celeridade na resolução dos conflitos; (ii) para desafogar o assoberbado Poder Judiciário; e (iii) como ferramenta que concederá uma nova roupagem aos envolvidos, principalmente, por ter princípios e técnicas específicas e exclusivas.

O instituto da mediação, enaltecido acertadamente pelo Código de Processo Civil revela-se, antes de tudo, como um voto de cidadania que nos ensina a ouvir e entender que devemos olhar para as margens que oprimem os rios bravos.

PALAVRAS-CHAVE: Mediação – Lei nº 13.140/2015 – Processo de Comunicação Ética – Lei nº 13.105/2015 – Constituição Federal – Inventário – Partilha.

KEYWORDS: Mediation – Law nº 13.140/2015 – Ethical Communication Process – Law nº 13.105/2015 – Federal Constitution – Estate Planning.

Meios Extrajudiciais de Soluções de Controvérsias

O mundo constrói e se reconstrói a todo tempo, seja por intermédio de interações sociais, seja por meio dos indeléveis avanços tecnológicos e/ou quaisquer outros expedientes funcionais.

Fato é: o universo está sob uma pujante metamorfose global.

Um dos grandes exemplos da referida modificação mundial são os meios extrajudiciais de solução de conflitos, pois representam instrumentos que sugerem dirimir e resolver querelas sem a apreciação do Poder Judiciário.

Trata-se, portanto, de sistemas autônomos que buscam, a partir de seus axiomas e elementos, oferecer uma resposta aos sujeitos envolvidos em conflitos, que têm como sentido a resolução destes e a perspectiva de alcançar um resultado mais justo que atenda os interesses daqueles.

Ao lado da arbitragem, há outras técnicas edificantes e assertivas, como a mediação, a conciliação, transação e a negociação.

A vantagem mais significativa dos métodos alternativos é o potencial de resolver efetivamente contendas de toda ordem, desde que se trate de direitos disponíveis.

A remoção do ritualismo e do formalismo exagerado, da burocracia ínsita do sistema judiciário, oferece o ambiente do coloquialismo onde os envolvidos chegam mais facilmente a fazer concessões e assumir compromissos, mantidas a qualidade do relacionamento entre eles.

Em outras palavras, não é desprezível o fato de se manter uma relação cordial entre os envolvidos, após solucionada a pendência que os levou ao litígio

E é nesse contexto que os meios extrajudiciais de solução de conflitos oferecem maior capacidade técnica através daquele que conduz a tentativa de resolução do conflito, somada à maior celeridade na finalização do entrave e na maior confiança dos litigantes nos agentes capacitados para soluciona- lo.

Os sujeitos envolvidos no conflito têm a discricionariedade de escolher os profissionais que farão o mapeamento da dissidência, levando-se em consideração as suas habilidades técnicas e o conhecimento do assunto a ser dirimido. Somado a isso, os meios extrajudiciais de solução de conflitos transpassam um ambiente com menor formalismo e menos atos a serem cumpridos se comparados aos ritos de um processo judicial.

Esses são alguns dos fatores mais salutares que justificam e estimulam, cada vez mais, famílias a procurarem a resolução de seus impasses utilizando-se –a título de exemplo- da arbitragem, da mediação e da negociação.

A própria Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), por exemplo, especifica, em seu artigo 23 que a sentença arbitral será proferida no prazo de 6 (seis) meses contados da instituição da arbitragem caso não haja convenção entre os sujeitos quanto ao seu prazo.

A negociação, por sua vez, não recebeu tal nomenclatura à toa.

A lógica desse mecanismo é buscar a melhor relação entre as partes, procurando reconhecer os interesses de cada uma, seus pontos de convergência e de distanciamento. A atuação do negociador, se dá, portanto, propondo alternativas para frear o conflito e buscar uma composição.

A mediação, por sua vez, como será tratada neste Artigo, é uma forma de auxílio – eficaz – para resolução de controvérsias.

Os envolvidos se deparam com um terceiro, imparcial ao conflito, que tem como propósito ajudar na melhor comunicação entre aqueles, sendo que sua participação não tem conotação decisória, diferentemente da arbitragem, por exemplo.

A conversa desenvolvida no processo consensual da mediação servirá para esclarecer situações, recuperar a comunicação direta, eliminar ruídos e falhas verificadas na comunicação anterior e pode até melhorar o relacionamento entre os interessados nas suas relações posteriores” (BACELLAR, 2016, p. 107).

Trataremos nesse Artigo, especificamente a mediação como método eficaz de solução de controvérsias, demostrando as técnicas utilizadas para tanto, sobretudo nos processos de Inventário e Partilha.

Conceito de Mediação

A mediação beneficia-se de um conceito absolutamente preciso e por esta razão pode assegurar a sua eficácia e unidade a qualquer que seja sua área de intervenção.

Globalement la médiation se définit : un processus de communication éthique reposant sur la responsabilité et l’autonomie des participants, dans lequel un tiers – impartial, indépendant, sans pouvoir de trancher ou de proposer (sans pouvoir décisionnel ou consultatif) avec la seule autorité que lui reconnaissent les médieurs – favorise par des entretiens confidentiels l’établissement, le rétablissement du lien social, la prévention ou le règlement de la situation.

Dois são os critérios que embasam a sua definição.

O primeiro deles é o seu processo. A mediação é um processo de comunicação ética e quer seja judicial ou convencional é um processo estruturado que repousa na responsabilidade e autonomia dos envolvidos.

Fato é, que a escuta e a fala nem sempre se encontram em um mesmo patamar, o que acaba, por vezes, não permitindo que as pessoas se expressem de forma dignamente igualitária. E é exatamente isso que traduz a mediação como um processo específico.

A ética da comunicação se revela como um dos pressupostos da mediação pois implica no reconhecimento do outro:

“Fundamentalmente, a comunicação implica reconhecimento do outro. A emissão de uma mensagem só faz sentido se o transmissor reconhecer um valor simétrico para o receptor. A Comunicação é, com muita frequência, uma emissão unilateral efetiva, que considera o receptor- objeto somente para garantir um registro sem perda da mensagem emitida, ela o instrumentaliza. O transmissor ao se comunicar apenas procura aumentar seu poder. A mediação envolve o reconhecimento mutuo e a autonomia dos parceiros. O mediador garante a ética da comunicação. (HOFNUNG: Michèle Guillaume. A mediação, p.108)

O mediador é uma pessoa absolutamente ativa, “un accoucheur” – a mediação é uma maiêutica que tem como significado “dar à luz”, ou seja, é uma “ciência do parto”.

Cabe ao mediador garantir aos outros atores da mediação – os mediados – a possibilidade de serem livres e responsáveis nesse processo. E é na figura do mediador que repousa o seu segundo critério.

O mediador é um “tiers”, ou seja, alguém de fora, eleito e aceito pelos envolvidos, e sua característica de exterioridade é fundamental na medida em que não está arraigado dentro do contexto conflitante dos mediados.

O mediador é independente e imparcial. Ele deve ser desobrigado dos próprios mediados, não estando diretamente ligado a eles de alguma forma, a sua conduta é equidistante.

A neutralidade é o que designa a atitude do mediador ao olhar do resultado, cujo interesse inexiste. E os critérios de independência e neutralidade se completam.

Por fim ele não tem poder de decisão.

O papel do mediador consiste em conciliar as pretensões opostas; auxiliar os interessados na compreensão das questões e dos interesses do conflito; além, de apaziguar os ressentimentos que possam surgir entre os envolvidos no processo de mediação, de modo que possam por si próprios, mediante o restabelecimento da comunicação, identificar soluções consensuais.

Ele deve manter sua posição como terceiro, atuar no âmbito da lei e verificar constantemente se as condições éticas e deontológicas são respeitadas durante toda a mediação.

Assim, esse terceiro neutro, imparcial, independente, sem poder decisório, favoriza por meio de encontros (reuniões) confidenciais o estabelecimento e restabelecimento dos vínculos, a prevenção ou regulamentação do conflito.

Essas características visam, portanto, assegurar, através das técnicas da mediação, a facilitação do diálogo entre os mediados.

Em outras palavras, trata-se de um método de resolução de conflitos que parte do diálogo, sendo as partes assistidas por um terceiro que facilita a comunicação, objetivando a tomada de decisões pelas próprias partes com relação aos respectivos interesses. Além disso, apresenta-se como um catalisador de relações interpessoais e, por conseguinte, apta a fortalecer o tecido social. A mediação, portanto, surge como uma via alternativa para dar voz às partes e estimular o diálogo entre os diversos atores sociais. É, assim, uma forma de escuta e pacificação social, lastreada no reconhecimento e no respeito às diferenças, atributo que a distingue de outros métodos de resolução de conflitos.” (Mediação de Conflitos, a emergência de um novo paradigma, PEREIRA, Rita, p. 17)

Princípios que norteiam a Mediação

O artigo 166, caput, do Código de Processual Civil dispõe que: “a conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada”.

Por sua vez, a Lei nº 13.140/2015, traz em seu artigo 2° um rol de Princípios que vão reger o mencionado instituto (mediação):

“Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios:
I – imparcialidade do mediador;
II – isonomia entre as partes;
III – oralidade;
4– informalidade;
5– autonomia da vontade das partes;
6– busca do consenso;
7– confidencialidade;
8– boa-fé;”

Como se pode verificar, os Princípios trazidos em ambos os dispositivos são comuns em sua maioria, cumprindo- se destacar 03 (três): o da Isonomia entre as Partes, da Busca do Consenso e o da Boa-fé, que podem ser considerados como exclusivos da mediação, e por isso, merecem ser evidenciados.

O Princípio da Isonomia entre os envolvidos tem o desígnio de colocá-los de forma equânime, buscando trazer uma harmonia entre os mediados, proporcionando os mesmos critérios de participação e oportunidades.

O Princípio da Busca do Consenso parte do pressuposto de que cabe aos envolvidos a escolha do que for melhor para si, ou seja, possuem autonomia em relação as decisões que envolvem o conflito.

Por sua vez, o Princípio da Boa-fé deve ser a base no processo de mediação, devendo os envolvidos se pautarem nessa ótica, buscando uma solução pacífica da lide, agindo sempre com boa vontade e sem intenção de prejudicar o outro.

Aplicação da Mediação nos Processos de Inventário e Partilha

O Código de Processo Civil, deu ênfase à mediação, sem excluir outros métodos de solução consensual de conflitos.

O artigo 3º do referido diploma legal criou o dever de estimular juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público a utilizarem entre outros métodos consensuais de resolução de conflitos, a mediação.

Especificamente, os conflitos que envolvem relações familiares são os mais complexos porque detém uma imensa carga de subjetividade.

Relevante esclarecer os dois institutos (Inventário e Partilha):

Inventário: é o procedimento por meio do qual é realizada uma lista completa dos bens, valores, dívidas e herdeiros relativos à pessoa que faleceu e deixou a herança. Além de comprovar que esses bens realmente existem e determinar o estado de conservação em que se encontram, o inventário serve para atualizar a contabilidade do patrimônio deixado em herança, com detecção e correção de possíveis irregularidades (como impostos atrasados). O inventário é o primeiro passo do processo de abertura da sucessão (herança), pois definirá o que será distribuído entre os herdeiros e também entre os credores, caso existam, conforme estabelece o artigo 1.796 do Código Civil.

Partilha: é a forma processual legal para determinar a porção da herança que caberá a cada um dos herdeiros e legatários, os que recebem legados, ou seja, bens específicos e determinados da herança.”

As decisões judiciais são baseadas em critérios objetivos compreendidos nas leis materiais e processuais, capazes de solucionar o conflito, mas que talvez não alcancem a pacificação social.

Tem-se, portanto, a resolução da lide processual (objetiva), deixando a solução da lide sociológica (subjetiva) em aberto, mantendo o conflito entre as partes.

Segundo dados disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Justiça Estadual no Brasil possui atualmente em trâmite, mais de 80 (oitenta) milhões de processos judiciais. Em termos financeiros, isso equivale a um gasto de R$53.543.972,88 (cinquenta e três milhões, quinhentos e quarenta e três mil, novecentos e setenta e dois reais e oitenta e oito centavos).

Especificamente em se tratando dos processos de Inventário e Partilha da Comarca de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, que possui apenas 4 (quatro) Varas de Sucessões e Ausência, a situação se torna ainda mais crítica. As Secretarias especializadas encontram-se abarrotadas de processos, que se estendem por anos sem uma resolução pragmática, como se espera do Poder Judiciário.

Isso se traduz em absoluto descrédito para o jurisdicionado e, também, para o próprio Poder Judiciário. Outro ponto relevante de se destacar é a questão da fragilidade vivida pelo momento. É sabido que a perda de um ente querido traz dor, saudade, vulnerabilidade, dentre outros adjetivos, cujas citações são dispensadas, pois é inerente ao momento.

O instante da despedida vem apinhado de uma carga emocional, sobretudo porque é a ocasião de se despedir de alguém que foi coparticipante de uma vida. Não há como não ser inesquecível. O ser humano não vem neste “plano” inexoravelmente e, portanto, jamais poderá morrer no oblívio.

Neste espectro, a eficácia da mediação. Explica-se. A possibilidade de utilizar-se da mediação como alternativa de solução do conflito de direitos sucessórios pode atender especificamente as necessidades dos envolvidos, estimulando a autocomposição na busca por um acordo mais favorável, através de ações comunicativas; visando, assim, a manutenção das relações.

As relações mais indicadas para a utilização da mediação são aquelas em que a ligação entre os envolvidos é permanente, que estarão sempre conectadas pelo laço do parentesco, seja sanguíneo ou afetivo.

No que concerne ao acervo patrimonial deixado, os envolvidos e “ligados” ao de cujus, seja esposa, companheira que vivia sob união estável ou em relação homoafetiva, estarão envolvidos no processo de Inventário e, portanto, deverão ter seus direitos resguardados.

O valor dos bens contemplados pelo Inventário pode ser alvo de polêmicas, porque para além do valor real (material) dos bens deixados, existem os valores simbólicos e afetivos que não poderão ser desconsiderados.

Daí a possibilidade de eficácia da técnica mediadora para que os herdeiros possam chegar aos termos da partilha da forma que mais satisfaça aos seus interesses. Se há interesse comum, o procedimento será de jurisdição voluntária, a qual pode ser impulsionada com seções prévias de mediação, evitando-se acionar o Poder Judiciário.

Um outro exemplo para se evitar o acionamento do Poder Judiciário é utilizar-se do procedimento de jurisdição voluntária quando todos os herdeiros do de cujus são maiores e capazes; o Inventário pode ser realizado através da lavratura de Escritura Pública de Inventário e Partilha, por meio do Tabelionato de Notas. Isso porque, os herdeiros, em tese, possuem a discricionariedade de realizarem a partilha dos bens.

De outro lado, a mediação pode ocorrer no trâmite do processo judicial de Inventário que, em regra, é complexo e moroso. A mediação pode ser desenvolvida por um procedimento justo que auxilie e estimule os próprios envolvidos à produção de uma solução consensual, podendo gerar resultados satisfatórios e contribuir para o funcionamento dinâmico do sistema de justiça. Isso porque a mediação, pela sua natureza flexível, pode ser instituída no processo de Inventário a qualquer tempo, a pedido dos envolvidos ou do próprio magistrado.

Assim, a mediação se revela como uma opção de possibilitar um “acordo” entre os envolvidos, na medida em que tenta desenvolver uma forma de justiça mais participativa entre eles. A mediação endoprocessual poderá também ser uma alternativa de prevenção, porque busca evitar o litígio e prima pela “transação”, estimulando os envolvidos na produção de uma solução consensual que represente a resolução do processo e a continuidade do relacionamento amigável.

Conforme dito, a medição detém técnicas específicas para contornar da melhor forma esse momento delicado na vida da família do de cujus, sobretudo porque permite a escuta ativa dos envolvidos, o que não ocorre no Poder Judiciário, estritamente ritualístico e de certa forma engessado.

Além disso, a mediação trabalhará com uma forma (sempre) consensual, buscando atender às pretensões de todos os familiares. É essa busca incessante que faz da mediação não mais uma “alternativa”, mas sim, uma tendência, uma necessidade.

Tem-se visto, ainda, que a mediação está sendo muito bem aceita pelo próprio Poder Judiciário, o que é um avanço, justamente, porque ela está voltada para a resolução de conflitos que envolvem grande carga emocional, conforme já discorrido.

Nesse particular, a seguinte doutrina:
A realização de mediação em ação de inventário e partilha é amplamente incentivada pelos tribunais brasileiros. Ainda que, da mesma forma, seja em juízo, seja fora dele, a atividade mediadora jamais será obrigatória, e sempre deverá ser exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxiliará e estimulará a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia, conforme dispõem os art. 1º, parágrafo único e 2º, §2º da Lei n. 13.140/15. A decisão a respeito, no entanto, caberá única e exclusivamente às partes, e não ao mediador.” (STANGHERLIN e RANGEL, 2018, p. 690).

Em um processo de Inventário e Partilha, há questões imateriais que o direito processual (stricto sensu) não abarca. E, é nesse contexto que a mediação, de forma assertiva, consegue atravessar essa disputa robustecida e arraigada de sentimentos.
A mediação, através da figura do mediador, tem como uma de suas premissas a escuta ativa, que consiste em decodificar várias informações, seja através da linguagem verbal ou não dos participantes.

Nesse sentido, “a função do mediador é promover o diálogo e a escuta atenta, um do outro. E, a partir da escuta de ambos e para ambos, de seus conteúdos latentes, motivações ou interesses, eles, os mediados passam a compor o que melhor será para todos.”

É cediço que para além do valor real do bem deixado existe, como já dito, o valor afetivo deste mesmo bem. Em processo judicial é inviável que o Juiz decida pendências objetivas havendo fatores subjetivos quanto à estimação do bem. O Poder Judiciário não está preparado para resolver esse tipo de questão.

A mediação sim, porque nessa perspectiva oportuniza o diálogo que, inclusive, em muitos casos é construído. O instituto não estabelece um tempo objetivo (ritualístico) para a retomada do diálogo.

Segundo Lacan
“(…) você pode saber o que disse, mas nunca o que o outro escutou.”

Mais uma vez, nesse particular, a figura do mediador ganha relevância justamente porque permite que esse possível distanciamento seja minorado e/ou extinto; permite que os envolvidos adentrem em uma mesma frequência, seja de harmonia ou de entendimentos (ao menos) convergentes.

“A mediação oferece a possibilidade da retomada do conflito. Nesta perspectiva teórica psicanalista, a mediação oferece o tempo para compreender na lógica da reciprocidade, fazendo valer o eu e o outro na perspectiva do conflito, pois a verdade, ou seja, a solução do conflito só poderá ser alcançada por todos, dentro do rigor de cada um (…)”.

As nuances do momento da Partilha

Percorrido o caminho do Processo de Inventário em si, através da mediação, o mediador se depara com um momento tão ou mais delicado que o início do procedimento: a partilha dos bens. Este é o ponto culminante na liquidação da herança. “Com o falecimento do autor da herança, cabe aos herdeiros uma parte ideal e indeterminada do acervo patrimonial. Daí a necessidade de se proceder à sua divisão por meio da partilha. Primeiro é preciso definir o quinhão de cada herdeiro, para depois lhe transferir a posse.

Após atravessar o momento inicial (arraigado de dor e fortes emoções), a partilha traz consigo a memória afetiva que até então estava estabilizada. Ou seja, na partilha todas aquelas emoções já contornadas virão à tona. E mais, é no momento da partilha que se coabita o sentimento de perda do ente estimado com o bem-estar (ou não) dos bens materiais deixados pelo de cujus.

Nesse particular, oportunas as seguintes assertivas:

Os momentos de partilha são árduos porque revelam, não raramente, que indivíduos unidos pelo parentesco guardam, por vezes, distâncias afetivas abissais. Eles precisam administrar as mais diferentes percepções sobre a legitimidade de cada um com relação à distribuição do patrimônio a ser herdado.”

É nessa hora que o mediador definitivamente deve exercer o seu papel com maestria, deve manter-se focado. Isso porque é na partilha que as questões financeiras (materiais) e afetivas tendem a se misturar e, em não havendo um mediador que saiba discernir essas emoções, todo o trabalho até então desenvolvido pode se perder.

Conclusão

No decorrer desse Artigo tivemos por objetivo demonstrar o quão o instituto da mediação é eficaz, assertivo e aplicável nos processos de Inventário e Partilha; seja: (i) para desafogar o assoberbado Poder Judiciário; (ii) pela sua celeridade; e (iii) pelas suas especificidades técnicas consignadas na Lei nº 13.140/2015.

Demonstramos que a mediação trouxe uma nova perspectiva na construção de um diálogo ético, autônomo, subsidiado na boa-fé e cooperação entre os envolvidos, sobretudo em um momento tão delicado na vida desses.

A mediação veio como “algo” para aplacar a “dor”, aproximar e eximir os ruídos ordinariamente existentes. A utilização da mediação como uma forma de mitigar essa “dor” vivenciada tem por premissas a proteção dos envolvidos, a escuta ativa, a concessão da palavra ao outro, a informalidade, a confidencialidade, a celeridade e, também, a manutenção da relação familiar, seja pelo seu nascimento e/ou restabelecimento.

Assim, nada mais producente do que a utilização da mediação nos processos de Inventário e Partilha.


fonte: Livro Mediação, a Travessia Através da Palavra