Autocomposição na esfera Empresarial: A Mediação e Sustentabilidade Societária

por Fábio Gomes Paulino e Guilherme Abreu Lima de Oliveira

O chamado sistema multiportas foi proposto pelo professor Frank Sander, da Universidade de Harvard, e se baseia na utilização de métodos para solução de conflitos, considerando sobretudo, os meios adequados às características de cada caso.

Com o advento do novo Código de Processo Civil e da Lei 13.140, ambos de 2015, a mediação de conflitos ganhou institucionalização na sociedade, conferindo às partes o empoderamento que ora seria entregue ao Estado, para que dele pudesse se ouvir a resposta ao clamor pela paz.

Até este momento, a sociedade tinha que pacificação social deveria passar exclusivamente pela atividade jurisdicional e pela aplicação das leis. Todavia, percebeu-se que esse conceito tradicional estava de certo modo ultrapassado e que a demanda judicial deveria vir em última análise.

A existência de conflitos é algo inevitável e a possibilidade de solucioná-los da maneira menos traumática é o que se deve buscar. O conflito não pode ser compreendido como um corpo estranho na sociedade, um mal que precisa ser solucionado. Na verdade, em uma sociedade democrática, é preciso garantir o espaço de emergência do conflito e entendê-lo como uma manifestação própria da natureza humana e de seu caráter social.

Em se falando de mediação, deve-se destacar o protagonismo dos envolvidos como elemento intrínseco, bem como a autonomia da vontade, a boa-fé e a isonomia, cumprindo, dentro da premissa de Estado Democrático de Direito, o exercício da cidadania.

A mediação é um voto à cidadania!

Nesse viés, cabe mencionar que em determinada relação empresarial, o conflito pode surgir entre os sócios, que além de partilharem a condução de um negócio, partilham também laços maiores.

É possível vislumbrar a efetividade da utilização da mediação em conflitos societários, mantendo o protagonismo com aqueles que em determinado momento se valeram dos laços de afinidade e das ideologias compartilhadas para estruturação de uma empresa, e agora, por algum distanciamento, não mais conseguem enxergar que a resposta está em cada um, minimizando assim o tempo e o ônus embutido em um procedimento judicial que certamente, poderia consumir o emocional e resultar no fim de vínculos outrora tão essenciais.

A mediação como proposta à solução de conflitos

A atividade jurisdicional tem como escopo principal a pacificação social, e por longo período, o mundo jurídico reconheceu um único caminho para essa pacificação: a aplicação das leis.

Percebeu-se então que não bastava aplicar as leis,era preciso identificar as necessidades dos envolvidos e verificar qual era o real sentido dos conflitos, recorrendo-se ao judiciário apenas em última análise.

Viu-se que o poder judiciário deveria ser residual, ou seja, deveria ser provocado tão somente quando a questão posta realmente não pudesse ser resolvida pela própria sociedade.

E assim, ganharam enfoque no mundo moderno os meios alternativos de solução de conflitos, como a conciliação, a arbitragem e a mediação. A bem da verdade é que esses chamados meios alternativos sempre foram mais do que essenciais.

Ao analisar os conflitos percebeu-se que era necessário separar os interesses das figuras das pessoas. Era preciso despolarizar, entender a situação conflituosa do ponto de vista de cada envolvido, e assim, possibilitar que cada um tivesse contato com a visão do outro.

Os meios alternativos de solução de conflito retratam um novo tipo de cultura, centrada na tentativa de negociar harmoniosamente, com respeito à dignidade da pessoa humana e à solidariedade social.

Esses meios extrajudiciais de solução de conflitos, ou Alternative Disputes Resolutions (ADR), como são conhecidos internacionalmente acontecem quando as partes envolvidas se fundam no consenso e no firme propósito de resolver suas divergências com o mínimo de litígio possível.

Dentre esses chamados meios alternativos, destaca-se a mediação, quando um terceiro inserido indiretamente no conflito e capaz de alterar a dinâmica do relacionamento conflituoso, proporciona um processo de negociação mais eficaz.

De acordo com Lília Sales, a mediação é conceituada como:

(…) um procedimento consensual de solução de conflitos por meio do qual uma terceira pessoal imparcial – escolhida ou aceita pelas partes – age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma divergência. As pessoas envolvidas nesse conflito são as responsáveis pela decisão que melhor a satisfaça. A mediação representa um mecanismo de solução de conflitos utilizado pelas próprias partes que, motivadas pelo diálogo, encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória.

A medicação se presta a trazer vários benefícios aos envolvidos, como a celeridade, a efetividade de resultados, a preservação da autoria, o atendimento dos interesses mútuos, a redução dos custos emocional e financeiro, o sigilo e a privacidade.

Este meio de resolução é de grande valia quando estamos a falar de um conflito que envolve pessoas conectadas por laços profissionais, afetivos ou familiares. Decidir os rumos da controvérsia é certamente mais saudável que entregar a um terceiro a autoridade para decidir. Fernanda Tartuce sustenta que:

A mediação enquanto método que concebe o mediando como protagonista de suas próprias decisões e responsável por seu próprio destino está fundamentada na dignidade humana em seu sentido mais amplo. Afinal, permite que o indivíduo decida os rumos da controvérsia, resgate sua responsabilidade e protagonize uma saída consensual para o conflito, o que o inclui como importante ator na configuração da solução da lide, valorizando sua percepção e considerando seu senso de justiça.

Entregar aos envolvidos o protagonismo da solução do conflito se mostra o meio mais promissor, vez que auxilia no reestabelecimento da comunicação que é o cerne de qualquer relação humana.

Empresas familiares e os conflitos organizacionais

A mediação, como dito, é caracterizada como um método de solução consensual de conflito, possuindo como principal indicação situações onde as partes envolvidas tenham uma relação de continuidade.

Nesse sentido, considerando a estrutura de uma empresa familiar, possíveis conflitos que possam surgir em determinado cenário acabam por atrair a atenção da sistemática da mediação, a fim de que se obtenha a possibilidade de tentativa de solução considerando as características do caso em si, levando em conta a necessidade da manutenção do vínculo familiar, e sobretudo, do ambiente em que ele se encontra, o empresarial.

O perfil estrutural do empresariado brasileiro guarda características iniciais relacionadas ao setor agrícola e posteriormente avançando para outras áreas do comércio e prestação de serviços, mas ainda em muitos casos mantendo-se o perfil patriarcal, e por assim dizer, familiar do negócio.

Para Lodi (1998), empresa familiar é uma organização empresarial que tem uma história de, pelo menos, duas gerações e que, consequentemente, tenha passado por um processo de sucessão. Somado a isso, as empresas são familiares na medida em que mantêm membros da família na administração dos negócios.

Contudo, não se objetiva o fechamento do conceito do que é uma empresa familiar, uma vez que a própria definição de família vem se apresentando de diversas formas hoje em dia, conforme pontua Rolf Madaleno (2015):

A família matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica, institucional vista como unidade de produção cedeu lugar para uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumental.

Dados obtidos do SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em pesquisa realizada, considerando o aspecto de parentesco como pai, mãe, avô, avó, filhos(as), sobrinhos(as), netos(as), cunhado(as) presentes na empresa, no universo dos pequenos negócios formais no Brasil, concluem dentre outros, que cerca de ¼ (um quarto) dos entrevistados têm como sócio(s) algum familiar, e pouco mais de 1/5 das empresas têm algum empregado/colaborador que é parente de algum dos sócios da empresa. Destacam-se os estados do Maranhão com maior proporção de empregados que são parentes (33%) e o Paraná com maior proporção de sócios que são parentes (27%).

A pesquisa trabalhou com mais de 6 (seis) mil entrevistados, entre as estruturas de MEI – microempreendedor

individual, ME – microempresa e EPP – empresa de pequeno porte.

O conflito nos tempos atuais é inevitável e sempre evidente. Entretanto, compreendê-lo, e saber lidar com ele, é fundamental para o seu sucesso pessoal e profissional (BERG, 2012). Nesse contexto, o conflito é tido como inevitável à vivência em sociedade, e porque não salutar ao crescimento e evolução (CHIAVENATO, 2004).

O grande o desafio no processo de mediação é identificar o cerne da questão. Verificar se o nascedouro do conflito é de fato de ordem familiar, tendo sua origem em uma questão doméstica, oriunda de possível discordância em casa, ou se a divergência tem questões estruturais ligadas a administração do negócio, sendo então questões internas ou externas à empresa, podendo estarem ligadas a relação entre os sócios, com os empregados, com os clientes e com os fornecedores.

Ao tratar desta questão, Ortiz (2010) propõe uma diferenciação entre estes conflitos: Internos ou relativos ao âmbito próprio da empresa, tanto trabalhistas como organizacionais. Externos, ou de âmbito exterior da companhia ou interempresarial, como podem ser os de caráter contratual com outras entidades que já sejam clientes ou entidades provedoras.

Diante da questão, os papéis podem ser confundidos, levando-seem conta, por exemplo, a relação patriarcal, onde o pessoal e o emocional podem acabar falando mais alto. Podemos destacar casos em que o ponto controverso traz relação coma diferença de gerações entre o fundador e os seus filhos, a sucessão patrimonial e a disputa pelo poder entre irmãos e herdeiros.

Tratam-se de divergências na condução do negócio frente aos novos mercados e desafios tecnológicos implementados desde a fundação, tido como a própria modernização, que podem colocar em risco o crescimento ou mesmo a vida útil do negócio.

A mediação aplicada e a sustentabilidade do negócio

É importante enxergar o conflito como algo positivo, capaz de gerar transformação e crescimento, e em sendo percebido o ponto de divergência de interesses, é recomendável que se aproveite a energia do atrito causado para construir novas realidades, novos relacionamentos, em patamares mais produtivos para todos os envolvidos. Neste sentido, pontua Follett (1997):

[…] O conflito é algo inerente às relações humanas e dele não podemos fugir, representa a diferença que habita a individualidade humana. Cada indivíduo tem propósitos, desejos e vontades pessoas que muitas vezes conflitam com os de outros. Devemos, assim, aproveitar a energia do atrito causado pela divergência de interesses, ideias e visões de mundo para construir novas realidades, novos relacionamentos, em patamares mais produtivos para todos os envolvidos no conflito. Pela Teoria Moderna do Conflito uma opção válida para solução dos conflitos é afastar as abordagens dominadora, comumente adotada, e excessivamente concessiva para adotar uma terceira forma, a integradora de interesses de forma construtiva.

É corriqueiro que na maior parte dos episódios conflituosos, a percepção mais comum seja de algo muito desgastante e sobretudo com resultados dispendiosos, principalmente se considerarmos os conflitos que envolvem o âmbito empresarial.

Tratamos até aqui da possibilidade da existência de um conflito intraorganizacional cujas partes envolvidas não possuem apenas um vínculo empregatício ou societário, mas também aspectos familiares, consanguíneos e afetivos, que independentemente da existência ou sobrevivência dos negócios, precisam ser mantidos de maneira saudável, dado a importância existencial.

Um ponto que deve merecer ênfase na aplicação das técnicas e metodologias da mediação para solução dos conflitos familiares, principalmente àqueles nascidos no seio empresarial, é a busca pelo alcance da sustentabilidade do negócio.

Tida como premissa da mediação, o reestabelecimento do diálogo surge como importante mecanismo de pacificação,permitindo que questões e interesses possam ser expostos e auxiliem na conversão dos pontos individuais em interessescoletivos, interesses da sociedade.

Ao considerar a personalidade jurídica da empresa, seja ela ME, MEI ou EPP, dentre outras, por definição legal, há ou deveria haver o distanciamento da personalidade jurídica dos sócios, o que faz com que a empresa tenha seu caráter empresarial constituído. Conforme o artigo 985do Código Civil: “A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos”.

É salutar que questões pessoais sejam administradas de forma separada, a fim de se evitar, por exemplo, a confusão patrimonial quando falamos de questões financeiras, conforme estabelece o artigo 50 do Código Civil.

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Assim, é de suma importância que os aspectos pessoais, as questões e os interesses que estejam intimamente ligados aos indivíduos não afetem o andamento e a sobrevivência da empresa, uma vez que estamos a falar de persona distinta, com direitos e deveres, responsabilidades e função social própria.

Considera-se aqui a relevância que a busca da sustentabilidade empresarial por meio da mediação possui. Da existência e manutenção do negócio estão direta e indiretamente ligadas muitas outras vidas como empregados, parceiros, terceirizados, negócios e rendas geradas sob o aspecto da imagem e dos produtos colocados no mercado.

Há um enorme risco de abalo para clima organizacional se existirem conflitos não resolvidos adequadamente, sejam eles de origem interna, intraorganizacional, familiar ou mesmo aqueles que porventura foram judicializados e se arrastam ao longo tempo na justiça. Com isso o ambiente pode se tornar denso e certamente improdutivo, colocando a saúde da empresa e demais vidas envolvidas para além do núcleo familiar, em situação de perigo.

A mediação empresarial é uma importante ferramenta de solução de possíveis conflitos e um necessário mecanismo para garantir uma relação harmônica entre os integrantes do negócio, buscando a clareza nas informações e o diálogo claro, constante e organizado, para que a empresa, seja qual for a sua estruturação jurídica, não sofra nos negócios por questões afetas, em sua maioria, em laços afetivos e familiares.

Conclusão

Em que pese as sociedades serem constituídas com algumas ideias comuns, não são raros os desencontros, uma vez que as empresas são, de certo modo, formadas por pessoas que tem necessidades, interesses e sentimentos distintos, e isso acaba sendo o nascedouro de muitos conflitos.

Por mais que exista alguma resistência ao diferente é preciso quebrar paradigmas, ultrapassar a cultura do litígio e permitir que meios mais humanizados sejam aplicados para solucionar os conflitos, e o mais importante, manter relações que não podem ser desfeitas por meras e pontuais diferenças.

Certos conflitos estão enraizados de uma maneira que chegam a cegar os envolvidos e é neste momento que o mediador pode fazer a diferença, auxiliando na construção de um desfecho menos traumático do que aquele que provavelmente ocorreria quando falamos da tradicional e diria ultrapassada forma de solução de disputas.

A mediação é um voto à cidadania. Não estamos a falar de um simples procedimento, mas sim de um processo ético. Não se trata apenas de um método de resolução de conflitos, mas de uma oportunidade. Falamos da oportunidade de verificar os verdadeiros interesses que motivaram os envolvidos a litigar, e ao constatá-los, poder tratar a causa e oportunizar a paz.

Notadamente, um conflito tem a possibilidade de propiciar crescimento, oportunizar mudanças positivas, porém da mesma forma, sem sua correta gestão, tem a capacidade de destruir as relações já existentes.

Nesse aspecto, em se tratando de vínculos existentes dos quais se presume o interesse da sua manutenção, sobretudo pelas relações de negócios e também familiar, a mediação se faz uma grande alternativa para auxiliar no reestabelecendo do diálogo, aclarando informações e separando questões e interesses pessoais para melhor condução daquele desencontro.

A mediação se apresenta para a solução dos conflitos empresariais, cuja estrutura familiar é presente no negócio, como um voto a ética, a cidadania e função social do negócio, primando pela paz e pela saúde dos vínculos existentes e objetivando também a manutenção e sustentabilidade do negócio.


fonte: Livro Mediação, a Travessia Através da Palavra