CNV e Mindfulness Aplicadas a Mediação de Conflitos

por Joyce Fontes Santana

A mediação de conflitos como método consensual de resolução de conflitos, seja ele judicial ou extrajudicial, entre duas ou mais pessoas, se desenvolve de forma pacifica, com o auxílio de uma terceira pessoa, imparcial, com o dever de guardar em sigilo do que lhe foi confiado pelas partes, sem poder decisório, que atua como facilitador da interação e do diálogo entre as partes.

O mediador não decide nem sugere, atua como facilitador do processo de retomada do diálogo entre as partes, deve buscara imparcialidade ao conduziras sessões de mediação. De forma a não visar simplesmente obter um acordo, mas construir ou reconstruir o diálogo entre as partes, para que protagonizem a busca da solução do conflito de modo satisfatório para ambas as partes. Assim, o acordo pode ser a consequência de um trabalho de cooperação realizado ao longo de todo o procedimento, e não sua premissa básica.

Em síntese, podemoscompreender a medicação como um processo de tomada de decisão das pessoas envolvidas, através de um diálogo ético para resolução de um conflito existente ou emergente mediante a composição do protagonismo das partes,com o auxílio de um terceiro, de forma cooperativa, empática e respeitosa.

Desenvolvimento

A mediação deve ser realizada pelo mediador formado conforme estabelecido pela legislação vigente. Além de aprofundamento constante em estudos relacionados a conflitos, negociação, autoconhecimento e relações interpessoais, também é importante aperfeiçoar-se em outros modelos e técnicas diversas para se desenvolver e aprimorar sua atuação como mediador.

Assim sendo, a CNV E o MINDFULNESS são técnicas diferentes que propõem melhores formas de lidar consigo e com os outros, como também podem promover o poder de escolha de como agir e reagir na hora de se comunicar. De forma sutil, o Mindfulness permite a percepção dos sentimentos e propõe o foco na respiração para retomar o controle das emoções, o que proporciona ao mediador mais controle de suas emoções para conduzir as sessões de mediação e assim atuar de maneira presente. Já a comunicação não violenta é um meio de se comunicar que nos leva a nos entregarmos de coração, onde podemos transformar potenciais conflitos em diálogos pacíficos.

Comunicação não violenta – conceito, princípios e aplicações

A CNV é uma forma de auto conexão que promove a comunicação com empatia, nos permite refletir sobre os aspectos que não enxergamos com facilidade e estimula a sensibilidade diante de nossas ações e da forma que estamos nos comunicando. Através de ferramentas simples para desarmar argumentos perigosos e criar conexões de compaixão consigo e com os outros, Marshall B. Rosenberg explica que para usarmos a CNV é necessário agir com consciência em quatro áreas, conforme os seguintes princípios norteadores:

Observar sem julgar– Baseia-se na observação do que está acontecendo, de fato, com foco na situação vivenciada. É importante que seja feita sem julgamentos ou preconceito, de certa forma, pode-se considerar julgamentos como forma de estratégia de sobrevivência – pessoas julgam para defesa e ataque, deve-se apenas observar o que nos agrada ou não na ação de outra pessoa.

Nomear os sentimentos – Muitas vezes o que sentimos, se manifesta no corpo antes de conseguirmos identificar exatamente o que se sente, antes de conseguirmos nomear. Sentimentos geram experiências fisiológicas e quando as sensações aparecem no corpo, quer dizer que alguma necessidade, não está sendo atendida.

Identificar necessidades – É importante identifica-las e nutri-las. Sentimentos são mensageiros para atendermos nossas necessidades, através da compaixão, um elo entre a empatia e a conexão, podemos levantar quais necessidades não estão sendo atendidas. Sem trazer culpa, proporciona mais humanidade nas percepções e pode compor a formulação de pedidos para atende-las.

Formular pedidos – Podemos mudar a realidade fazendo pedido e podem ser realizados após a geração de conexão. Portanto, há uma linha tênue entre fazer um pedido e transferir a responsabilidade para o outro resolver ou para o outro atender sua necessidade. É importante observar qual sua amorosidade (disponibilidade) de receber a resposta, sendo ela sim ou não.

Quando nos concentramos em esclarecer o que está sendo observado, sentido, e necessário ao invés de diagnosticar e julgar, descobrimos a profundidade de nossa própria compaixão.”

(Marshal Rosemberg,2006)

Segundo o autor, a Comunicação Não-Violenta (CNV) se baseia em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem nossa capacidade de continuarmos humanos, mesmo em condições adversas. Fazer CNV é diferente de ser CNV devido a sutil intenção, que pode ser trágica ou não, no que diz respeito ao fazer o outro sentir dor para ele ser mais empático comigo.

Pela CNV é possível nos atentarmos cuidadosamente e sermos capazes de identificar os comportamentos e as condições que estão nos afetando. Com o foco em possibilitar a escuta empática e profunda – a nós e aos outros – a CNV promove respeito, atenção, compaixão. Portanto, podemos considerar sua amplitude na forma de se expressar com honestidade, como também de receber a expressão do outro com empatia através dos princípios norteadores. Dessa forma, é possível que se estabeleça naturalmente um fluxo de comunicação compassiva dos dois lados. De forma aplicada é possível utilizar a CNV, em relacionamentos íntimos, famílias, organizações, instituições, terapias, negociações, mediações, disputas e conflitos de toda natureza, entre outros.

Mindfulness – conceito, princípios e aplicações

Ainda não há consenso para tradução para o português, sob o nome de SATI, na língua pali (uma prima do sânscrito), foi traduzido como Mindfulness onde encontra sua melhor tradução, porém ainda há controvérsias. No seio budista, mindfulness (ou sati) configura um passo fundamental para a libertação do sofrimento humano. Mindfulness pode ser considerada uma forma de comunicação disfarçada de meditação, tanto com si, quanto com os outros. Consigo porque proporciona entre outras coisas, conexão interior e autocompaixão. Já com os outros, por proporcionar atenção plena, consciência no presente e por consequência oportunidade de escolha de como se comunicar. De forma simplista, podemos destacar como principal diferença da meditação, a promoção de consciência com a perspectiva mais voltada ao reconhecer, ao perceber para estar no controle. Enquanto a meditação promove auxílio para a percepção de como se sente antes de se engatilhar nas diversas relações. Por ser considerada uma forma de estado consciente, o objetivo não é deixar de ter pensamentos ou controlá-los, mas sim não se prender a eles.

O mindfulness (Atenção Plena) nos ensina que pensamentos são apenas pensamentos: eles são eventos em sua mente”.

(PENMAN, Danny)

O mindfulness promove o treinamento da mente para nos auxiliar no exercício do estado de presença, de forma a facilitar a auto regulação das emoções e proporcionar a oportunidade de escolha. Pode ser comprovado cientificamente por não alterar só o comportamento, mas também as reações neurais, observou-se que a técnica atua sobre regiões específicas do sistema nervoso central, recrutando funções cognitivas diversas, tais como atenção e percepção, autorregulação, automonitoramento, controle inibitório, memória, entre outras, que podem contribuir para desenvolvimento e melhoria de outras funções e capacidades relacionadas. O mindfulness deixou evidências sobre sua atuação nas funções cognitivas, propõe através da respiração e da consciência, o reengajamento da ativação do neocortex, área responsável pelas decisões racionais. Temos apenas seis segundos para não nos engatilharmos, se respirarmos fundo e contarmos até dez (popularmente conhecida), podemos ultrapassar este tempo e acessar outra área do cérebro para não reagirmos de forma imediata, pouco pensada, não escolhida.

Diversos fatores também podem interferir no estado de presença e na escuta empática, pois podem influenciar na forma de interagir e consequentemente na forma de lidar com o conflito. São eles:

  • Pré-condições: sono, cansaço físico ou mental, TPM, fome, etc.
  • Banco de dados: previsão do comportamento do outro, expectativas de falas e do final do diálogo.
  • Lugar relacional: considerado o meio reativo, através de papéis exercidos, posições e experiências cristalizadas. É importante reconhecer para escolher como agir e sair da reação do “piloto automático”.
  • Gatilhos emocionais: Observar a reação aos gatilhos do outro, pois caso o gatilho do outro te engatilhe, pode ser melhor pedir uma pausa e continuar o diálogo em outro momento.

Na mediação é fundamental trabalhar a percepção dos fatores com os mediandos, pois pode gerar mais respeito entre os integrantes, facilitar a construção ou reconstrução do diálogo e contribuir para resolução de um conflito. Torna-se fundamental cuidar das pré-condições antes e durante uma sessão de mediação, desde o preparo do ambiente até orientações de cuidados antes da sessão de mediação, como dormir e se alimentar bem. Já a consciência do bando de dados, permite acessar informações importantes para troca de papéis, vivência de empatia e condução dos diálogos. Além de potencializar o poder de escolha, pois à medida que o enriquecemos, podemos qualificar e fazer melhores escolhas.

Metodologia

Este estudo constitui uma revisão bibliográfica de caráter analítico e reflexivo a respeito das técnicas de Comunicação Não Violenta e Mindfulness aplicadas a Mediação de Conflitos. A coleta de dados foi realizada no período de 09 a 22 de maio de 2020 e utilizou-se para a pesquisa materiais de treinamentos realizados, artigos e livros publicados nesta temática.

Conclusão

Neste momento, parecemos viver em um mundo individualista, polarizado e intolerante, onde é fundamental encontrar mecanismos para a promoção de empatia e de uma verdadeira conexão entre os seres humanos, independentemente de suas culturas, crenças ou hábitos individuais.

Para acessar o estado de presença consciente deve-se concentrar sua atenção no aqui e agora, numa atitude compassiva, sem julgamentos e distrações, como propõe a CNV e mindfulness. A ideia é adotar esse comportamento em qualquer experiência da sua vida, inclusive, as mais comuns. Para isso, algumas técnicas podem ser identificadas no livro Atenção Plena, principalmente pelo foco na respiração. O livro apresenta um passo a passo para ajudá-lo a criar sua própria rotina de mindfulness e ainda ressalta ainda que se você consegue oferecer a você mesmo amor e bondade, você pode enfrentar qualquer dificuldade e ser capaz de ter paz interior e felicidade.

Quando mudamos o foco, para nossa respiração por exemplo, nossos recursos não são afetados, consequentemente fortalecemos nossa escolha de reação frente as situações e não agimos em modo automático. Muitas vezes nossa reação não é a que gostaríamos de escolher, mas sim a que acontece de forma impensada e até de forma inconsciente. Pois sem a consciência do momento, dificilmente se consegue ter a escolha: de como falar, de como reagir ao que foi falado.

Sempre existe uma escolha, mas às vezes, esquecemos disso. Não é fácil nenhuma das mudanças que a CNV promove.

Para além dos 4 princípios norteadores, precisamos ir mais a fundo, precisamos rever nosso “modelo de mundo” e criar novos hábitos, novos olhares.

Além das aplicações já citadas na mediação de conflitos, podemos ainda aplicar o Mindfulness através da chamada Pausa de Absorção. De forma a propor aos mediandos fazer pequenas pausas para interiorizar o que foi falado, pois é uma oportunidade para incorporar o que ouviu e retornar de forma mais consciente ao diálogo proposto conjuntamente com a aplicação da CNV, através da atividade de “Retrovisor” onde se tem a oportunidade de analisar o que pode melhorar para voltar ao diálogo, pois mesmo que no momento seja difícil, talvez de forma individualizada se consiga ver o que foi dito e reformular de forma a atender as necessidades dos mediandos.

O que eu quero na minha vida é compaixão, um fluxo entre mim e os outros baseado em uma doação mútua do coração”.

(Marshal Rosemberg,2006)


fonte: Livro Mediação, a Travessia Através da Palavra