Mediação nas Serventias Extrajudiciais: Panoramas, Desafios, Expectativa e Possibilidades

por Maria Flávia Guimarães de Carvalho Pereira

Democratização da mediação e seu necessário acesso a todos quantos queiram dela se utilizar.

O campo da mediação, segundo a professora Prof. Michèle Guillhaume – Hofnung, pioneira em mediação na França e Professora da cadeira “La Médiation”, na Sorbonne desde 2001, “não tem limite. Engloba todas as áreas da atividade humana, da mais privada à mais publica, a mediação interessa às pessoas públicas, como também aos indivíduos privados, os grupos e as atividades nacionais e internacionais”

Acrescenta, ainda, que “a mediação adquire hoje uma importância social que a renova por completo e impõe urgentemente um sério esforço teórico” e, sua “profunda originalidade impõe novos desenvolvimentos para se consolidar”.

Além desse interesse geral, ouso dizer que a mediação procura reativar e reanimar a consciência das pessoas, estimulando e aumentando a autonomia e o senso de responsabilidade, e após iniciado esse processo, é caminho sem volta.

A mediação é definida pela Prof. Michèle como: “ um processo de comunicação ética baseada na responsabilidade e autonomia dos participantes, em que terceiro imparcial, independente e neutro, tendo como a única autoridade o reconhecimento dos parceiros – promove, através de entrevistas confidenciais, o estabelecimento, o restabelecimento do vínculo social, a prevenção ou a solução da situação em questão”.

Completa, que a mediação tem como função a restituição ou o estabelecimento da comunicação, sendo ternária na sua estrutura e em seu resultado. “Sem o terceiro elemento, a mediação é infrutífera”.

A mediação “requer senso de complexidade e reconhecimento da igualdade do outro”, repousando-se na falta de poder do mediador, na medida que estimula o diálogo e restitui a capacidade de fala dos envolvidos.

Frente a isso, nunca foi tão necessária a comunicação (diálogo) e conciliação de interesses opostos, sendo que o instituto da mediação vem mais como um clamor social do que, tão somente, para aliviar a sobrecarga do Judiciário, que desafoga se abrindo cada vez mais às pessoas.

Da evolução do instituto. Da necessidade de um numero relevante de mediadores para tornar a mediação de fácil acesso à população – a mediação nas serventias extrajudiciais e sua abrangência territorial na otimização de seu cultivo e exercício.

O instituto da mediação evoluiu muito em nosso país nas últimas duas décadas, mas ainda há um grande caminho a trilhar. Nesses vinte anos, seu progresso ocorreu basicamente em três etapas, a saber:

Numa primeira etapa, os meios alternativos de solução de conflitos e, mais especificamente, os métodos consensuais de resolução despertaram crescente interesse no meio acadêmico nacional.

No Brasil, a Academia foi a primeira voz a sustentar a adoção da mediação, como meio adequado para a solução dos litígios; mas em um primeiro momento, não ressoou junto às instituições publicas, especialmente, no Poder Judiciário, ficando circunscrita às discussões eminentemente teóricas. Faltava-lhe, pois, o apoio institucional de distintos segmentos, para que sua prática fosse fomentada e adotada de maneira concreta.

No início do Século XXI, o Poder Judiciário Brasileiro, imbuído de um de seus principais desígnios, qual seja, de atender de maneira justa e eficaz o interesse da sociedade, e atento ao fato de seu congestionamento, passou a implementar políticas públicas, para alcançar tal mister e empregar esforços no sentido de perquirir formas de solução dos conflitos, de modo a reduzir a sobrecarga do Judiciário, chegando-se à mediação, dentre outras possibilidades.

Desta feita, as pesquisas acadêmicas encontraram-se com as expectativas do Poder Judiciário, inaugurando-se, a partir de então, uma segunda etapa, em que se passou a buscar a aplicação concreta dos meios consensuais de resolução de conflitos.

A mediação, conteúdo da nossa temática, já vinha sendo realizada por instituições privadas, como, por exemplo, a Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem – CBMA e outras instituições privadas vinculadas ao CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem, sem contar, contudo, com iniciativas públicas relevantes.

Dando um passo à frente, o Conselho Nacional de Justiça, no final de 2010, editou a Resolução no 125 que trata da Política Nacional de fomento à mediação e à conciliação nos tribunais brasileiros. O que se mostrou uma medida de significativo impacto prático no que tange à utilização da mediação em todo o país.

Em 2012, foi criada, pelo Ministério da Justiça, a Escola Nacional de Mediação e Conciliação – ENAM que disponibiliza cursos de capacitação sobre o tema, e, esses dois átimos contribuíram sobremaneira para o reforço da mediação no Brasil.

No entanto, a grande guinada quanto ao contexto evolutivo da mediação no Brasil se deu, indubitavelmente, em 2015, com a promulgação do Novo Código de Processo Civil e da Lei Federal no 13.140/2015, que regulamentaram o instituto, inaugurando a terceira etapa do processo evolutivo da mediação no Brasil, definindo-a como a “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.

Logo de plano, ao tratar das normas fundamentais, o Novo Código de Processo Civil dispõe, em seu o artigo 3º, §2º, que “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” e, a seguir, no §3º, prevê que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”, revelando a importância dada a tais métodos no diploma processual, em uma verdadeira mudança de modelo em relação ao CPC de 1973.

Na esteira do NCPC, foi editada a Lei Federal nº 13.140/2015, que possibilitou a mediação nas Serventias Extrajudiciais, culminando no Provimento 67/18 que dispõe sobre os procedimentos de mediação nos serviços notariais e de registro do Brasil.

Diante desse cenário, a mediação realizada nas Serventias Extrajudiciais, tendo em vista sua grande capilaridade, incrementa esse acesso necessário, levando a mediação onde muitas vezes o Judiciário não pode estar presente.

Transmudamos da prevalência da solução heterocompositiva para a solução autocompositiva ou consensual e, essa alteração paradigmática traz nova alma para a mediação, ao mesmo tempo em que exige dos acadêmicos e dos operadores do Direito, uma nova forma de pensar e atuar.

Sair da teoria para a prática implica esforço conjunto, com recursos materiais e humanos aptos a, efetivamente, aplicar a mediação em todo o território nacional de forma abrangente. Superar as adversidades iniciais – especialmente quanto ao déficit de mediadores – capacitando profissionais em número suficiente, de modo a aplicar a mediação na prática e, com isso, colocá-la como uma possibilidade real de solução dos conflitos de forma adequada, é fundamental.

Acatar esse desafio e procurar solucioná-lo trará como resposta, a um só tempo, indivíduos mais satisfeitos, visto que terão contribuído ativamente para encontrar a solução para suas demandas; mais empoderados, já que terão exercido um papel mais ativo na solução do próprio conflito, passando de coadjuvantes a protagonistas; e, um Judiciário mais desafogado, com maior disponibilidade para julgar com acuidade os litígios que não puderem ser submetidos à mediação, quais sejam, aqueles que versem sobre direitos indisponíveis e que não admitam transação.

Culturalmente, estávamos voltados para a solução estatal, na qual o litígio é submetido, exclusivamente, ao Poder Judiciário; e, após a implementação de políticas públicas com incentivo à mediação, iniciamos um caminho voltado à pacificação onde os envolvidos participam ativamente. Mas muito há que se percorrer e avançar.

A mediação, como bem ressaltado pela Mediadora Rita Andréa, surge: “como via alternativa para dar voz às pessoas e estimular o diálogo entre os diversos atores sociais. É, assim, uma forma de escuta e pacificação social, lastreada no reconhecimento e no respeito às diferenças, atributo que a distingue de outros métodos de resolução de conflitos“.

O mediador, por sua vez, conclui Rita Andréa, é o “terceiro que facilita essa comunicação, objetivando a tomada de decisões pelos próprios envolvidos com relação aos respectivos interesses. Além disso, apresenta-se como um catalisador de relações interpessoais e, por conseguinte, apto a fortalecer o tecido social”.

Aduz, ainda, que para uma perfeita conecção com a narrativa, o mediador precisa despir-se de si mesmo: “O mediador, pessoa eleita e aceita pelos envolvidos, traz consigo premissa da imparcialidade e da confiabilidade, e é preciso que se conecte com a própria narrativa, para que reconheça a si próprio, seus limites, e no momento de cumprir a função que lhe foi atribuída, possa despir-se de si mesmo, abrindo-se a escuta”.

Para tanto, é fundamental mediadores capacitados e em número suficiente para atender aos anseios, de modo a que se multipliquem experiências bem-sucedidas, que permitam ao cidadão se familiarizar com a mediação e, assim, começar a modificar a cultura secular de transferir para o Estado o poder de resolução dos conflitos.

A Resolução nº 125 do CNJ trouxe as bases mínimas da capacitação de conciliadores e mediadores, de forma factível em âmbito nacional, enfatizando conhecimentos práticos e teóricos. O NCPC (art. 167, §1º) disciplinou que o CNJ, em conjunto com o Ministério da Justiça, deve definir o parâmetro curricular, mas que a capacitação mínima ficará sob a responsabilidade das entidades credenciadas pelos tribunais, proporcionando maior flexibilidade. Já a Lei de Mediação (art. 12) menciona os requisitos mínimos de capacitação a serem fixados pelo CNJ, mas omite a referência às câmaras privadas de conciliação. As leis são notadamente complementares e a diferença é de mera nomenclatura.

Sendo de extrema relevância, não há controvérsia quanto à necessidade da formação adequada para os profissionais que atuarão no âmbito das Serventias Extrajudiciais. A formação é a peça fundamental dos meios consensuais. A prática revela uma infinidade de configurações e essa é a razão pela qual os mediadores devem ter formação sólida. O mediador capacitado é a pedra fundamental de um sistema de mediação bem sucedido!

Lado outro, para um grande número de litigio, fatalmente precisaremos de um contingente proporcionalmente agigantado de mediadores para cumprir com tal tarefa.

Uma das soluções concretas foi trazida pelo legislador no artigo 42 da Lei Federal nº 13.140/2015, que contemplou os registradores e tabeliães como mediadores, desde que capacitados em curso autorizado e cadastrados junto ao tribunal estadual competente. O Conselho Nacional de Justiça, por sua vez, regulamentou o mencionado artigo 42 através do Provimento nº 67/2018.

No âmbito das Serventias Extrajudiciais, a adesão deve ser facultativa e o processo de autorização deverá ser regulamentado pelos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos – NUPEMEC e pelas Corregedorias de Justiça dos Estados.

Os registradores e tabeliães já vinham sendo chamados a atuar no relevante movimento de desjudicialização ao passarem a realizar: habilitação de casamento sem intervenção judicial; inventários; partilhas e divórcios consensuais; reconhecimento da paternidade diretamente nos registros civis; o reconhecimento de filiação homoparental; o da filiação socioafetiva; registros tardios de nascimento sem intervenção judicial; divisão e demarcação de terras particulares; o reconhecimento da usucapião extrajudicial, diretamente no registro de imóveis; homologação do penhor legal; averbação direta de sentença estrangeira de divórcio puro no registro civil, com a dispensa da ação de homologação pelo ST; retificação administrativa de registro; averbação de alteração de prenome e gênero no registro civil em decorrência de transsexualidade; dentre outros.

A busca de uma pacificação do conflito conduzida por mediadores, permite que os litígios sejam solucionados sem a intervenção do Estado-juiz e se insere no contexto maior da autonomia dos envolvidos, da pluralidade, na cultura da paz e na desburocratização.

Seja através da realização de atividades, que tradicionalmente qualificamos como jurisdição voluntária; seja através da promoção da justiça coexistencial , feita pelos próprios envolvidos na controvérsia, que se inspira nos seus próprios valores e métodos, voltada precipuamente à preservação dos relacionamentos em jogo -, o legislador vem convocando registradores e tabeliães para auxiliar nessa nova fase do Direito Processual Civil Brasileiro, para que prestem a sua contribuição para uma Justiça mais célere, autônoma e, tanto quanto possível, fora da órbita do judiciário.

Desta feita, e tendo em vista a abrangência territorial, as Serventias extrajudiciais podem alcançar populações que não são atingidas diretamente pelo Judiciário, precisando deslocar- se por vários quilômetros para estar diante de um juiz. Os cartórios, por sua vez, são a instituição mais capilarizada do país, já que todos os municípios e grande parte dos distritos possuem, ao menos, um cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais.

A mediação nas Serventias Extrajudiciais é importante para favorecer a mudança cultural de que precisamos, ampliando espaços para que os meios consensuais sejam cada vez mais vistos como uma saída efetiva para a solução de qualquer impasse, aproximando a população de sua autonomia, recuperando o diálogo entre as partes envolvidas e permitindo a construção do próprio acordo.

Contexto histórico social notarial e sua aptidão para promover a mediação no direito contemporâneo

A função dos notários e registradores através do instrumento escriturário, quer seja na tábua; papiro; papel ou via digital, é uma das atividades jurídicas mais antigas do mundo e visa primordialmente acolher, com segurança jurídica, as aspirações – materiais e morais – dos sujeitos de direito para ao longo do tempo.

A atividade nasce a partir da necessidade de mediação desde os relacionamentos sociais mais primitivos, “anota-se que a atividade notarial é uma das mais remotas atividades jurídicas certificatórias já desempenhadas pelo ser humano

Nesta evolução ao longo dos tempos, como bem nos certifica Leonardo Brandelli: “O embrião da atividade notarial, ou seja, o embrião do tabelião nasceu do clamor social, para que houvesse um agente confiável(grifo nosso).

Vê-se, que a atividade exercida pelos notários e tabeliães vem ao longo dos tempos, traduzindo a vontade das partes de forma imparcial, segura, responsável, ética e com capacitação técnica; requisitos intrínsecos e inseparáveis de uma mediação qualificada.

Neste sentido, ensina-nos Zeno Augusto Veloso, ao referir-se ao Tabelião de Notas, mas que, indubitavelmente, se aplica a todos os que compõem as Serventias Extrajudiciais: “Ser Tabelião de Notas é fazer parte de uma das profissões mais antigas do mundo, de muita história e tradição, com fortes vínculos de responsabilidade, conhecimento e prudência. Acredito que o Tabelião de Notas é o guardião moral, legal e prático da vontade das partes e sua profissão deve ser exercida com intenso senso de respeito e humildade por seus delegatórios, tamanha é a multiplicidade de impactos que provoca na vida da comunidade em que está inserido”. (grifo nosso)

Por conseguinte, vê-se que a atividade notarial e registral confunde-se com a própria história do direito e da sociedade, e tem, como finalidade própria a de respeitar, regular, acautelar e mediar as vontades entabuladas pelos indivíduos. Entendo, que a essência da função notarial deve encontrar-se quando se relaciona à ideia de sua missão com a mediação.

Verdadeiramente, o Tabelião “é um escultor, conciliador, mediador e qualificador jurídico imparcial da vontade do espírito humano”. E, após mais de quatro séculos de história notarial e registral, temos enfim, lei acerca da fundamental mediação extrajudicial. E, afinal, sendo esta atividade preventiva, tem na efetiva confiança investida pelos cidadãos, pelas empresas e pelo Estado (fé pública) uma importantíssima participação na solução pacífica de conflitos humanos, acautelando-se relações subjetivas de direito.

A mediação nas serventias extrajudiciais. Regime judicial ou extrajudicial. Sistema hibrido, consubstanciado numa terceira espécie.

À título ilustrativo, vale salientar que o regime a que se submete a mediação nos cartórios não se enquadra técnica e isoladamente, nem nas mediações judicial e nem extrajudicial. O artigo 36 do Provimento 67/2018 do CNJ, embora tenha apontado, expressamente, que a mediação realizada nos cartórios seja mediação extrajudicial, uma análise mais acurada do regramento nos leva à conclusão de que seu cenário e ambiente é mais complexo do que à primeira vista poderíamos supor.

A mediação judicial, segundo a legislação, é aquela realizada por mediadores judiciais, notadamente aqueles que concluíram curso de capacitação realizado por entidade credenciada e estão cadastrados junto ao tribunal, na forma do artigo 11, da Lei Federal nº 13.140/2015 e do artigo 167 do CPC/2015. As mediações incidentais, realizadas na forma do artigo 334, do CPC/2015, somente poderiam ser presididas por mediadores judiciais.

Já as mediações extrajudiciais, a teor do disposto no artigo 9º, do NCPC/2015, são aquelas realizadas por mediador extrajudicial, bastando que seja pessoa capaz, que conte com a confiança dos mediandos.

Constata-se, assim, que a mediação judicial sofre muito mais ingerência do que a extrajudicial, sujeitando-se esta última, a uma série de rigorosos critérios a serem satisfeitos.

Analisando o Provimento 67/2018, inclina-nos a aduzir que a mediação ali tratada, aproxima-se do regime da mediação judicial, na medida em que os artigos 4º e 5º, §1º, do Provimento, dispõem que o delegatário poderá indicar até cinco escreventes da respectiva serventia extrajudicial, os quais deverão ser cadastrados junto ao Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos-NUPEMEC, à semelhança do que ocorre com os mediadores judiciais.

Serão fiscalizados pela Corregedoria-Geral de Justiça e pelo juiz coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), conforme artigo 5º, do referido Provimento e, ainda, que tais profissionais concluam previamente um curso de mediação credenciado e realizem cursos de aperfeiçoamento a cada dois anos (artigo 6º.), o que igualmente revela a maior ingerência do tribunal e coincide com a exigência formulada para o exercício da mediação judicial.

No entanto, não se pode afirmar que a mediação conduzida por escreventes de cartórios corresponda perfeitamente com o modelo de mediação judicial, de fato, constata-se que a mediação em questão se aproxima em muito do modelo extrajudicial.

O fato do procedimento se desenvolver nas dependências do cartório extrajudicial, portanto, fora das instalações físicas do fórum, afasta e desvincula da mediação judicial, e, ainda que o cartório extrajudicial precise se credenciar formalmente como Cejusc, fato é que a mediação se dará nas dependências do cartório e não em uma sala do tribunal.

Outra condição importante consiste na independência administrativa, financeira e gerencial dos delegatários, prevista na Lei Federal nº 6.015/73 e no artigo 28 da Lei Federal nº 8.935/94.

Desse modo, embora a mediação realizada pelos cartórios deva preencher os requisitos legais, a administração da Serventia e, via de consequência, a mediação nela realizada, será gerida e supervisionada por tais profissionais do Direito, como, de fato, dispõe o artigo 4º, parágrafo único, do Provimento nº 67/2018 do CNJ. Sendo assim, vislumbra-se uma benéfica autonomia na realização da mediação nos cartórios extrajudiciais comparativamente à mediação tipicamente judicial.

Por decorrente, concluímos que a mediação realizada nos cartórios extrajudiciais não se adequa perfeitamente nem ao regime da mediação judicial, nem ao regime da mediação extrajudicial, sendo hibrida e consubstanciando-se numa terceira espécie, compreendendo peculiaridades inerentes ao desempenho das funções extrajudiciais.

Conclusão

Conforme expusemos ao longo de nossa narrativa, as Serventias Extrajudiciais podem e devem ocupar uma posição de importância frente às formas de solução pacífica de conflitos, principalmente no que se refere à mediação; não apenas no tocante ao aspecto legal, como se vê nas normas atinentes à espécie, delegando tal responsabilidade às atividades notariais e registrais; mas também socialmente, ao se verificar a verdadeira conjunção de fatores; seja pelo fato das serventias judiciais estarem muito mais próximas dos indivíduos; seja por ser detentora da confiança da população; – (Os cartórios lideram a confiança dos seus usuários na comparação com outras instituições do país, segundo pesquisa realizada. Os correios e os cartórios receberam as melhores avaliações, com médias 8,2 e 8,1, respectivamente, no quesito “confiança e credibilidade” em comparação com outras instituições como a imprensa, empresas, igrejas, ministério público, polícia, justiça, poder legislativo e governos, detendo 70% da confiança e credibilidade dos entrevistados) seja por terem a imparcialidade e sigilo, como requisitos de sua atuação; ou, ainda, pela simples análise quantitativa, demonstrando a superioridade numérica dos cartórios frente aos órgãos jurisdicionais.

Quiçá, justamente por pensar nesse conjunto de fatores, tenha o legislador reconhecido à necessidade de utilização das Serventias Extrajudiciais na implementação da cultura de paz e da autocomposição na resolução dos conflitos.

O que se tentou demonstrar nessas linhas aqui deixadas é que o legislador lançou mão da capilaridade, da estrutura já existente e da capacidade técnica das Serventias Extrajudiciais, para fomentar mais uma forma de exercício da pacificação, da comunicação e do diálogo entre as pessoas.

Portanto, as Serventias Extrajudiciais têm a potencialidade de alcançar todos os distritos de todas as cidades brasileiras como verdadeiros polos de mediação, atingindo toda população deste imenso país, sendo um verdadeiro longa manus do Estado; aliviando o Estado Juiz nas ações relativas aos direitos disponíveis e aos indisponíveis transacionáveis, sem custo para os cofres públicos (ao contrário com recebimentos de emolumentos pelo serviço executado), contribuindo de maneira efetiva para o processo de pacificação e da promoção da autonomia das pessoas, de forma eficaz e menos onerosa para todo o povo brasileiro.

E não nos parece daí muito complicado identificarmos que o espírito desta paisagem iniciada pela Lei 13.140/15 foi o de dar efetividade a estes procedimentos de mediação, garantindo-se a plenitude jurídica da autonomia da vontade, transferindo para o particular, a resolução de seus conflitos.

Com o passar do tempo, quero crer, ao invés do registro de mais processos, teremos oxalá anotação de mais consensos. Pois, ao se procurar uma Serventia Extrajudicial, pode-se aí obter o benefício do trabalho deste mediador imparcial, dotado de fé pública, – um verdadeiro catalizador do diálogo e promotor da comunicação ética, permitindo que os cidadãos passem de coadjuvantes a protagonistas na resolução de seus conflitos.


fonte: Livro Mediação, a Travessia Através da Palavra