Os marcos normativos da mediação entre particulares no âmbito civil: Escopo e Relações de complementariedade, subsidiariedade e incompatibilidade

por Danilo Christiano Antunes Meira e Horácio Wanderlei Rodrigues

RESUMO: O presente artigo oferece uma análise da vigência dos marcos normativos da mediação entre particulares. No tópico 2 são apresentadas as normas que disciplinam a mediação e os seus respectivos escopos. São apresentadas a Resolução nº 125/2010 do CNJ, o Código de Processo Civil e a Lei da Mediação. No tópico 3 é promovida uma verificação das possibilidades de
incidência das disposições de cada um dos marcos normativos a partir de critérios de resolução de antinomias. Argumenta-se que a Resolução nº 125/2010 do CNJ tem uma incidência limitada e subsidiária. Argumenta-se que a Lei da Mediação tem primazia em face do Código de Processo Civil, mas o revoga apenas quando confere disciplina expressamente incompatível. O tópico 4 é dedicado à análise de elementos afetados pelos problemas de incompatibilidade, como a definição, princípios, obrigatoriedade, impedimentos do mediador e obrigatoriedade de advogado. Conclui-se que existem problemas concretos derivados de atividade legislativa ineficiente, mas que outros problemas são derivados de interpretações equivocadas. Conclui-se que os problemas concretos derivados de atividade legislativa ineficiente só podem ser superados pela prática jurídica ou pelo próprio legislador.

INTRODUÇÃO
A mediação é um instituto que tem ganhado expressiva atenção da comunidade jurídica e do poder público. Não é arriscado afirmar que ela constitui um dos temas mais debatidos nos círculos jurídico e acadêmico. No entanto, a mediação não é um instituto propriamente novo no âmbito do Direito brasileiro. Sua prescrição já havia sido tipificada para certos casos e circunstâncias, como no Decreto nº 1.572/1995, na Lei nº 10.101/2000 e na Lei nº 10.192/2001, embora ainda sem um procedimento definido.

O Decreto nº 1.572/1995 prevê expressamente a mediação como procedimento de negociação coletiva de natureza trabalhista quando frustrada a negociação direta1. É uma modalidade que conta inclusive com um sistema de negociações online denominado Mediador2. A Lei nº 10.101/2000, por sua vez, dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa e estabelece que os procedimentos de mediação e arbitragem podem ser utilizados pelas partes “caso a negociação visando à participação nos lucros ou resultados da empresa resulte em impasse”3 .

Na Lei nº 10.192/2001, a mediação aparece como alternativa para superar impasses entre empregados e empregadores sobre o pagamento de reajuste salarial decorrente da implementação do Plano Real4. Além de ser prevista legalmente nessas hipóteses, a mediação também foi utilizada com considerável frequência como procedimento não tipificado em litígios levados aos Núcleos de Prática Jurídica de Instituições de Ensino Superior (RIBEIRO, 2008) e até mesmo ao judiciário5.

Considerando que o instituto em si não é tão novo como parece, a relevância e ares de novidade que a mediação vem ganhando são explicadas por duas outras razões. A primeira é que o Poder Público passou a promovê-la como estratégia para reduzir custos e o tempo de processamento de conflitos levados ao judiciário6. Não por coincidência o fortalecimento da mediação foi firmado como um dos compromissos do II Pacto Republicano de Estado por um sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo, assinado em 2009. Dentre os objetivos desse pacto, destaca-se o aprimoramento da “prestação jurisdicional, mormente pela efetividade do princípio constitucional da razoável duração do processo e pela prevenção de conflitos” (BRASIL, 2009).

A segunda, uma consequência da primeira, é que o seu procedimento foi expressamente disciplinado e prescrito para conflitos de diversas naturezas entre particulares no âmbito civil, seja antes ou no curso de um processo judicial. De fato, a aposta na mediação como forma de tornar a prestação jurisdicional mais eficiente e a tradução dessa aposta em termos normativos constituem questões que merecem atenção na atual conjuntura econômica e social. Todavia, a materialização da pretensão do Poder Público no instituto da mediação é especialmente relevante para a comunidade jurídica porque dá indícios de que foi prejudicada, ao menos parcialmente, por má técnica legislativa.

É perceptível que uma das principais preocupações abordadas nos debates sobre a mediação é a interpretação ou a identificação correta dos dispositivos aplicáveis em uma dada instância da mediação. É o caso, por exemplo, de saber se a audiência de mediação é obrigatória e de saber quais são os impedimentos aos quais se submete o advogado que atua como mediador judicial. Existem opiniões divergentes sobre esses casos e, à primeira vista, existem fundamentos jurídicos que sustentam os dois lados dessa divergência.

Diante desse fato, torna-se necessário: (a) verificar se essas divergências são justificáveis ou se são apenas incompreensões superficiais e, caso existam divergências justificáveis, (b) saber como superá-las. O presente artigo constitui-se em uma tentativa de responder essas questões. Para tanto, começa por uma análise das normas que disciplinam a mediação entre particulares para saber quais são os seus respectivos escopos, isto é, saber qual é a vocação e a abrangência de cada uma dessas normas na tarefa de disciplinar a mediação. Uma vez conhecido o escopo das normas que disciplinam a mediação, a análise segue para uma verificação das possibilidades de incidência das disposições de cada um dos marcos normativos a partir de critérios de resolução de antinomias.

Isso significa que será necessário procurar as regras que disciplinam as relações recíprocas entre os marcos normativos para saber como proceder em casos de relações de subsidiariedade, complementariedade e incompatibilidade. Como a hipótese inicial é a de que existem as três relações simultaneamente (subsidiariedade, complementariedade e incompatibilidade), a análise passa para a ilustração de problemas supostamente derivados dessas relações, como aqueles que se referem a definição legal, aos princípios orientadores, ao caráter de obrigatoriedade da audiência, hipóteses de impedimento do mediador advogado e a obrigatoriedade de atuação de advogado ou defensor público como procuradores das partes.

Caso as hipóteses iniciais se confirmem, conclui-se que existem problemas concretos derivados de atividade legislativa ineficiente, mas que outros problemas podem ser derivados de interpretações ou leituras equivocadas. Em relação à superação desses problemas, caso sejam derivados de má técnica legislativa, conclui-se só poderão ser superados pela prática jurídica ou pelo próprio legislador.

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fonte: R. Jur. FA7, Fortaleza/CE