Hoje, qualquer problema que se tenha com um vizinho, uma batida de carro, vai para a Justiça.
Essa compreensão, esse entendimento, ainda precisa ser batido e rebatido em cada área responsável pela formação e manutenção da cultura e ideologia brasileira. E porquê?
- Somos um país com mais de 1 milhão de advogados formados e atuantes. Este número, por si só, mostra o viés litigioso do brasileiro médio;
- Nós temos hoje no Brasil, 80 milhões de processos pendentes de julgamento. Se formos criativos e considerarmos ao menos dois envolvidos em cada processo, um solicitante e um solicitado, nós temos hoje no Brasil pelo menos 160 milhões de partes envolvidas em litigio. Em um país com pouco mais de 200 milhões de habitantes…
- Recursos e mão de obra consumidos. Se pegarmos um tribunal de um estado brasileiro grande, populoso, vamos descobrir que o orçamento deste tribunal provavelmente é maior que o orçamento da maioria dos municípios brasileiros. É isso que o estado precisa fazer, investir e investir dinheiro arrecadado de impostos para tentar atender da melhor forma possível nosso próprio gigantismo;
- Tempo e dinheiro. Muito dinheiro. A soma dos 3 itens acima forma uma equação intrincada, perniciosa, desgastante e cara. E o resultado? Insatisfação generalizada.
Já sabemos os motivos deste quadro ter este formato. A origem provavelmente está em Getúlio Vargas, com a introdução dos primeiros direitos do cidadão comum. Talvez com a própria formação da ideia do brasileiro cidadão, com direitos e deveres definidos. Movimentos revolucionários ou patrióticos, democracia, constituições cidadãs. Pacificar a sociedade, diminuir a violência em defesa da honra, introdução paulatina de conceitos civilizatórios, mostrando que o correto não era mais um duelo ao nascer do sol – me lembrei de Faroeste Caboclo – mas sim de se seguir a regra, procurar os caminhos do judiciário para resolução adequada de suas querelas.
Tudo bem, tudo certo, assim caminha a humanidade. Mas é importante dar continuidade à Mudança rumo a pacificação. A evolução precisa continuar.
Solução existe e funciona
Em março/24 o Presidente do TJMG José Arthur Filho, em entrevista ao jornal Estado de Minas, aponta com clareza o caminho:
“Eu confio muito nas mediações e conciliações. A sentença não é pacificadora, ela tem, às vezes, potencialismo ao litígio. Já as mediações e conciliações, essas sim são pacificadoras, porque as partes passam a ser protagonistas do seu próprio destino. Elas é que fazem, através desse consenso, uma decisão que seja mais justa ao olhar delas próprias. Então temos inclusive incentivado muito o Judiciário nesta área”, declarou.
E acrescenta:
“Eu acho que o sistema de Justiça, hoje, é um sistema falido e precisa ser repensado. Por isto que entram as mediações e conciliações. Há também um aspecto cultural. O brasileiro tem que levar menos questões para o Judiciário, tentar conversar mais, ampliar a escuta e o diálogo.”
São palavras certeiras. Sim, com certeza a sentença judicial é amarga. Um vence e o outro perde, portanto, alguém sempre sai disso arrasado. E pior, quem ganha fica na boca com um gostinho de falsa vitória, considerando os anos de espera e os custos financeiros despendidos naquele processo…
Mas então, se isso é sabido, porque persistimos judicializando?
A resposta a esta pergunta não é fácil. Mas, essencialmente, persistimos judicializando “por medo”. Medo do problema não se encerrar de vez e voltar depois. Medo de que o acordo extrajudicial não seja cumprido.
Mas de onde vem esse medo? Vem da desinformação da população, que de um modo geral ainda não conhece ou aceita a autocomposição como uma possibilidade concreta e real, um fato. Vem do advogado, treinado para litigar, e vê apenas no fórum seu único local de trabalho profissional; também é desconfiado que a autocomposição vai diminuir seus rendimentos, e portanto não a valoriza nem propaga como boa opção, mais barata, mais ágil e eficiente. Vem dos operadores do direito em geral, que enxergam a estrutura falida e super carregada a qual pertencem, porém, ainda assim é mais confortável manter o status quo.
Em resumo:
- Judicializamos por Desconhecimento. Muitas pessoas ainda não estão cientes da existência e dos benefícios dos métodos adequados de resolução de conflitos, como mediação e conciliação;
- O exercício da autonomia da vontade, a ideia que se é possível conduzir as próprias decisões ainda não é hábito do brasileiro;
- Permitir e convocar a decisão do Outro é a tendencia habitual. Pedir a “um grande pai ou mãe” que resolva o problema por você;
- Há uma cultura arraigada de recorrer ao sistema judicial como primeira opção para resolver disputas. A litigância é cultural no que diz respeito a busca da solução.
Então, qual o caminho?
É necessário investir em educação e conscientização sobre essas opções. É nas escolas onde a autocomposição será aprendida e compreendida. Não nos referimos apenas as escolas de bacharelado, formadoras dos profissionais do direito com treinamento em métodos adequados de resolução de conflitos. Foco também nas crianças brasileiras, na educação básica. Existem muitos projetos nesse sentido, e o mais importante deles é a Mediação Escolar. Trata-se de uma ferramenta indispensável para auxiliar os educadores na resolução dos conflitos, evitando a ocorrência de situações mais graves como bullying e os traumas decorrentes (veja aqui: Mediação escolar é cada vez mais urgente e necessária nas instituições de ensino).
A mediação nas escolas foi pensada para incentivar o diálogo e a empatia entre os alunos e todos os envolvidos no ambiente escolar, oferecendo lugar de fala e de escuta para todos, sempre praticando a comunicação não violenta. Conflitos sempre irão existir e a mediação auxilia na comunicação assertiva, quando os envolvidos não conseguem soluções pacíficas entre eles sem a participação de um terceiro, no papel de mediador.
Conhecer os métodos adequados de resolução de conflitos ainda na infância será a chave?