Das decisões conflitantes do Judiciário e implicações na autocomposição das partes

por Carla de Souza Santos Baracat

As decisões divergentes no Judiciário diante de casos idênticos trazem consigo implicações sobre a autocomposição das partes na mediação que acaba gerando prejuízos como o custo elevado do litígio.

Esses aspectos trazem consigo consequências, pois as partes tendem a apostar mais no tempo que será investido no processo judicial para ter a suas decisões julgadas por um magistrado, terceiro estranho ao fato, o que nem sempre pode ser produtivo, ou satisfativo aos envolvidos.

Quando um juiz de direito sentencia um caso de família, em que os pais disputam a guarda de um filho, ou os valores a serem pagos a título de alimentos, essa decisão põe fim ao direito positivado, a um determinado litígio, todavia, além de não resolver a relação conflituosa (emocional), muitas vezes acirra ainda mais o próprio conflito, criando novas dificuldades para os pais e para os filhos [1].

Após anos atuando com mediação [2] de família no Cejusc Família no Fórum Leal Fagundes em Brasília, presenciei pessoas chegando destruídas emocionalmente após anos de batalhas judiciais.

O mediador sob o acompanhamento e fiscalização do magistrado e seus auxiliares, se preocupa com o meio mais eficiente de compor certa disputa na medida em que esta escolha passa a refletir a própria efetividade do profissional pacificador que conduz as partes ao diálogo e a propor as suas próprias soluções e estas que serão viáveis de serem cumpridas [3].

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) por meio de uma Política Pública de Resolução Apropriada de Conflitos tem incentivado um movimento de conscientização do Poder Judiciário, uma vez que passa a estabelecer a autocomposição como solução prioritária para os conflitos de interesse. Isso significa que o Judiciário crê que a maior parte dos conflitos pode ser resolvida por meios consensuais [4]. Essa é uma nova realidade do Judiciário.

Através das técnicas de mediação com sessões individuais, fazemos perguntas direcionadas aos genitores fazendo-os refletir a respeito das consequências de algumas atitudes, ou através da técnica troca de papéis [5] para que uma parte se coloque no lugar da outra. Esses são elementos cooperativos, e traz a noção de que é possível maximizar ganhos individuais cooperando com outro participante.

Para estimular a cooperação deve-se aplicar as ferramentas certas fazendo com que cada participante da mediação possa pensar no outro, pois “se todos fizerem o melhor para si e para os outros, todos ganham” [6].

Essas estratégias são adquiridas no dia a dia do mediador que tem o controle da mediação, este não coloca todas as cartas na mesa, e sabe quais os momentos certos para aplicar cada ferramenta de forma estratégica, analisa quais sãos os reais interesses das partes para analisar quais melhores procedimentos a serem utilizados e o momento certo para utilizá-los para que possa impactar a outro e levá-lo a cooperar.

Para melhor compreender as posições e encontrar soluções que se compatibilizam com os interesses e necessidades das partes é necessário conhecer e manejar bem as ferramentas da mediação através das técnicas.

O mediador quando escolhe ser mediador deve fazê-lo de modo que seja um prestador de um serviço não falho e, que seja prestado com excelência e eficiência, isso requer treinamento com técnicas com o fito de otimizar os resultados dos processos de resolução de conflitos, e esse serviço será crucial para finalização de uma demanda com a resolução das questões que diminuirão o espiral de conflito[7] desde que o mediador conheça o verdadeiro interesse de cada parte.

Destacamos que o trabalho do Judiciário é restaurador, proporciona treinamentos, oficinas de pais e nelas orientam pais divorciados a lidarem melhor com seus filhos e com os conflitos nessa fase de transição, além de trabalhar a questão de responsabilidade, diminui a probabilidade de violência ou interações contraproducentes [8].

Nessa compreensão questionamos então qual seria a real motivação que alguns advogados têm para adotar uma postura litigante, não colaborativa nas sessões de mediação? Por que as partes mesmo tendo os seus interesses atendidos não fazem acordo para aguardar a decisão do Juiz?

Apesar das demandas resolvidas por juízes gerar litigiosidade [9] maior entre as partes, e esse procedimento pode gerar ao nível máximo da litigância e chegar até a última instância para apostar em uma decisão que pode ter uma porcentagem de chance de ganho mínimo nas instâncias superiores, as partes muitas vezes preferem apostar nessa decisão judicial.

Sendo a mediação um instrumento de pacificação social que conduz a humanização do conflito, e em atenção ao princípio da validação dos sentimentos ou princípio do reconhecimento recíproco de sentimentos [10], percebemos que alguns querem litigar para ver o outro sofrer, como forma de punição, pois muitas vezes com o emocional carregado e movidos pelo ódio, e nessa hora essa aposta é capitaneada por advogados litigantes.

Se uma das partes, ou seu advogado tiver interesse em abrir um precedente [11] ou assegurar grande publicidade a uma decisão, esse processo promoverá uma elevada recorribilidade, necessária para a criação de um precedente em tribunal superior, que será público e trará publicidade ao caso e ao advogado, mesmo que o processo seja no mínimo sigiloso [12].

Ivo Gico Junior, 2023, em seu livro Analise Econômica do Processo Civil sustenta que as partes apenas cooperarão se houverem mecanismos que convençam ou coajam o agente pretendido a cooperar [13]. Se a decisão fosse determinística de acordo com a lei e não um evento aleatório, as partes não recorreriam tanto ao judiciário e realizariam a autocomposição de seus litígios, pois teriam pleno controle de suas decisões [14] considerando que o resultado esperado não dependeria de uma sentença subjetiva, e assim a autocomposição seria mais eficaz.

Uma das principais razões pela qual as pessoas ajuízam ações é a incerteza com relação ao resultado esperado. Se não houvesse incerteza nas decisões judiciais, nos precedentes que sempre mudam, com um judiciário perfeito, o comportamento esperado seria as partes quase sempre celebrariam acordos, pois não haveria como ganhar mais por meio do litígio, essa realidade é diferente do que ocorre no Estados Unidos, que os índices de acordo ocorrem em 99% dos casos que se encerram com decisões terminativas [15].

Um estado social será considerado ótimo se for possível melhorar a situação de uma pessoa sem prejudicar a outra, para isso será necessário conhecer quais são as questões e os interesses das partes, se esses não estiverem bem definidos e não forem bem entendidos pelo mediador ou operador do direito, através das informações colhidas nas sessões de mediação, pode colocar a perder todo o trabalho e tempo gasto naquela mediação.

José Afonso da Silva [16] ensina que a segurança jurídica proporciona condições que tornam possíveis às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida.

Essa tutela gera a confiança do cidadão quando há previsibilidade das decisões e evita que as decisões sejam a todo custo apreciadas no Judiciário.

Essa segurança traz consigo a pacificação social, a previsibilidade das decisões e confiabilidade nas instituições e as decisões divergentes em casos semelhantes acarretam a morosidade da justiça, fazendo com que a força normativa da Constituição seja ameaçada e se torne ineficaz.


Referências
https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/jurisprudencia-x-precedente

https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/rda/article/view/6232/2528

https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2015/seguranca-juridica-suposta-injustica-nao-e-motivo-para-mudar-a-coisa-julgada-joaquim-de-campos-martins

AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial. 6ª Edição Brasília/DF:CNJ, pp. 61-63, 2016.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 28ª edição. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

GICCO JR, Ivo T. Análise econômica do processo Civil, 2ª edição, 2023.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição, 8ª edição, 2012.

[1] Cf. COSTA, Alexandre A. Cartografia dos métodos de composição de conflitos. In: AZEVEDO, André Gomma de. Estudos em arbitragem, mediação e negociação. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2004. v. 3.

[2] Mediação é um processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte neutra ao conflito ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, para se chegar a uma composição. Trata‑se de um método de resolução de disputas no qual se desenvolve um processo composto por vários atos procedimentais pelos quais o(s) terceiro(s) imparcial(is) facilita(m) a negociação entre as pessoas em conflito, habilitando‑as a melhor compreender suas posições e a encontrar soluções que se compatibilizam aos seus interesses e necessidades. Manual de Mediação, p. 20.

[3] Cf. Manual de Mediação, p. 263, 2016.

[4] Cf. Manual de Mediação Judicial, CNJ, p. 29, 2016.

[5] O papel do mediador é de facilitador, ele filtra as informações, para isso, deverá auxiliar as partes, esclarecendo, fazendo troca de papéis, recontextualizando o conflito para que as partes tenham uma visão mais ampla de todo o contexto e, por decorrência, dos reais interesses e das questões envolvidas, Manual de Mediação pp. 184, 185.

[6]. AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial. 6ª Edição Brasília/DF:CNJ, pp. 61-63, 2016.

[7] Cf. Manual de Mediação, p. 10

[8] Esta cartilha de pais e mães está disponível em: https://www.cnj.jus.br/formacao-e-capacitacao/oficina-de-pais-e-maes-online-2/

[9] Aquela que pode persistir entre as partes após o término de um processo em razão da existência de conflitos de interesses que não foram tratados no processo judicial, seja por não se tratar de matéria juridicamente tutelada, seja por não se ter aventado tal matéria juridicamente tutelada no curso daquele processo, Manual de Mediação, p. 263.

[10] BARUCH BUSH, Robert et al. The Promise of Mediation: Responding to Conflict Through Empowerment and Recognition. São Francisco: Ed. Jossey‑Bass, 1994, apud Manual de Mediação, CNJ, p. 263.

[11] Precedente é a decisão judicial tomada em um caso concreto, que pode servir como exemplo para outros julgamentos similares. Há, contudo, muitas discussões, no sentido que decisões isoladas poderiam ser consideradas jurisprudência. https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicaosemanal/jurisprudencia-x-precedente

[12] Manual de Mediação Judicial, CNJ, p. 18, 2016.

[13] Analise Econômica do Processo Civil, Jr, Ivo T. Gico.pp. 123 e 126, (2023)

[14] Autocomposição é solução do conflito através de sugestões trazidas pelas partes, frequentemente, não se pensa em quem está certo e quem está errado, mas como solucionar as questões e quais as melhores formas de atender aos interesses dos envolvidos. O processo é das partes.

[15]. Cf. Administrative Office Of The U.S Courts (2018, Table C-4), apud GICCO JR, Ivo T. Análise Econômica do Processo Civil, p. 101

[16] Segurança Jurídica consiste no conjunto de condições que tornam possível às pessoas do conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida. Jorge Reinaldo Vanossi, El Estado de Derecho em el Constitucionalismo Social, p. 30, apud SILVA, José Afonso da, Comentário Contextual à Constituição.

Carla de Souza Santos Baracat é aluna especial do mestrado em direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub), pós-graduada em Direito e jurisdição lato sensu pela Escola da Magistratura do Distrito Federal (Esma-DF), instrutora formada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de mediadores, instrutora em mediação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e mediadora familiar e Cível.

fonte: Revista Consultor Jurídico